Atualizado em 16 Abril, 2021

Tavira, entre a serra algarvia e o rio Gilão, foi escolhida pelos muçulmanos para se estabelecerem entre o séc. VIII e XIII, dando-lhe o nome Tabira, que depois evoluiu para o actual. Vamos espreitar esta linda vila algarvia?

Tavira e a “obscure chamber” parece um título da saga Harry Potter, mas resume-se apenas a uma analepse desesperada de quem congela com seis graus negativos.

Toda a gente sabe porque não se cultivam buganvílias ou antúrios no Norte da Europa. Que não vale a pena plantar bananeiras na Islândia ou ananases no Alasca. As flores e os frutos tropicais não gostam de frio. Às vezes consegue-se enganar a mãe Natureza, mas o que sai das estufas não é exactamente igual ao de uma floresta endémica.

Correndo o risco de parecer presumida por me comparar a uma flor exótica, saibam que fui concebida nos trópicos, pelo que os meus genes gostam de ambientes cálidos. Portanto não é de estranhar que oscile entre o rígido muscular e o estado de hibernação quando os termómetros descem de forma alarmante.

Quase desentorpeci quando, esta manhã, tive que usar todas as minhas forças para abrir a porta do carro. O gelo não colou só a porta. O vidro também se recusou a descer, quando quis limpar o espelho retrovisor. Mas os graus Celsius conquistados pelo esforço físico esfumaram-se em segundos. Seis graus negativos são suficientes para congelar o cérebro.

A dieta mediterrânica de Tavira

Apelando à teoria da sugestão, vou tentar convencer o meu cérebro que estão 28º C, o sol brilha no céu, eu estou na esplanada do Largo Abu-Otmane, em frente ao castelo de Tavira a bebericar um sumo de laranja gelado, contemplando a ria Formosa ao fundo do casario branco.

Acabámos de subir a ruela íngreme desde o Núcleo Museológico Islâmico, onde apreciámos o extraordinário Vaso de Tavira, com paragem no Palácio da Galeria (Alto de Santa Maria), onde outrora existiu um povoado fenício. As escavações feitas no átrio do palácio trouxeram à luz do dia poços cavados na rocha. Estes foram interpretados como “poços rituais fenícios” dos séculos VII-VI a.C., dedicados ao culto de Baal, deus das tempestades.

O extraordinário "Vaso de Tavira" testemunha a riqueza islâmica desta terra
O “Vaso de Tavira” testemunha a riqueza islâmica desta terra

Deixámos a canícula da rua e visitámos calmamente o Palácio, hoje transformado em museu, e a exposição dedicada à Dieta Mediterrânica. A dita foi reconhecida como património imaterial da Unesco, graças a uma candidatura transnacional. A candidatura uniu sete países com culturas mediterrânicas milenares: Portugal (Tavira), Chipre (Agros), Croácia (Hvar e Brac), Grécia (Koroni), Espanha (Soria), Itália (Cilento) e Marrocos (Chefchaouen).

Nesta viagem pelos sabores tradicionais, destaca-se o pão, o azeite e o vinho. Um ditado popular acompanha esta sagrada tríade: “vinho, azeite e amigo / sempre do mais antigo”.

O meu pequeno explorador está comigo e, depois do tal sumo feito com as doces laranjas do Algarve, vamos visitar a Torre de Tavira. Instalada num antigo depósito de água, a torre tem uma câmara obscura, à boa maneira do Leonardo Da Vinci.

Terraço no Palácio da Galeria
Terraço no Palácio da Galeria

Voyeurs a 100 metros de altura

Jackson Klive está há mais de 15 anos em Tavira, mas continua com um delicioso sotaque. Americano, australiano? A nacionalidade é questionável mas a sua simpatia não. Apesar de ser quase hora de fechar, aceita fazer mais uma visita só para mim e o Pedrinho. Quando entramos no interior da Câmara Obscura e as luzes se apagam, o meu pequeno explorador aproxima-se instintivamente.

Depois, os espelhos fazem a sua magia e o prato gigante à nossa frente, com dois metros de diâmetro, recebe imagens da cidade em tempo real. É magia, mamã!” – declara o Pedro, já sem quaisquer vestígios de temor.

Em apenas quinze minutos conseguimos ver as 21 igrejas da cidade – porque era uma urbe rica, com muitos pecados para penitenciar – as que anteriormente foram mesquitas e as que estão abandonadas. É o caso da Igreja de S. Roque, com um buraco no telhado que ninguém arranja, porque não se sabe a quem pertence.

Interior da camara obscura
Jackson Klive brinca com um acordeão de papel, que põe os carros aos ziguezagues

Vemos a ria, na sua corrida para o mar, atravessada pela ponte romana, ao lado da qual está outra, provisória. Concebida para seis meses mas que já tem 23 anos e continua de pé. Vemos o centro histórico, que visitámos há apenas umas horas, e as principais fábricas da região.

Diz-se que a Torre de Tavira oferece a mais deslumbrante e privilegiada vista sobre a cidade. Por uma vez, o marketing tem razão. Lá fora, o sol continua a brilhar, há um odor pujante a flores e um som de cigarras no ar.