Atualizado em 9 Abril, 2021

Quem já perdeu um pouco do seu tempo a ler a minha nota biográfica aqui n’O Berço (Quem escreve?) sabe que nasci na Namíbia.

Cresci a ouvir a minha mãe contar o meu nascimento épico, em como as picadas africanas tinham provocado um trabalho de parto prematuro e como esta novela tivera um desfecho feliz, na África do Sul. Só quase adulta descobri que essa “África do Sul” significava um mero protectorado. Aliás, a Namíbia libertou-se do jugo colonial apenas em 1990.

Nasci pois entre Angola e África do Sul, entre o deserto do Namibe e o inóspito Kalahari, num lugarejo suficientemente calmo para acolher um campo de refugiados, onde os brancos podiam sossegar os seus terrores nocturnos e apanhar um avião para o velho mundo. Sete dias depois, chegava a Portugal, embrulhada num xailezinho leve, ideal para o clima árido que tinha deixado para trás.

© stories.namibiatourism.com.na (Foto de Hougaard Malan)

Nunca mais voltei aquela região – fui ao Egipto, Marrocos e Cabo Verde, que têm um ambiente tão pouco africano, que quase me esquecia deles – mas o bichinho tem-me acompanhado desde que me lembro de ser gente. Não é apenas uma curiosidade que precisa ser saciada, é como se tivesse um vazio no peito à espera de ser preenchido no lugar onde nasci.

Há dias comecei a ler Um lugar dentro de Nós, do viajante profissional Gonçalo Cadilhe. Diga-se que não sou leitora assídua da chamada literatura de viagens, sou mais romance histórico ou pura ficção, com umas incursões ocasionais pelo fantástico e pelos contos. Mas o livro estava com 50% de desconto na Fnac e eu não resisto facilmente a este tipo de promoções literárias.

Por coincidência, a Namíbia inspira um dos primeiros capítulos do livro e o que li calou fundo na minha alma.

© stories.namibiatourism.com.na (Foto de Hougaard Malan)

“Ao fim do dia, com o pó que sacas da garganta construías um muro de argamassa para a tua casa. E com as pedras em que tropeçaste levantavas um molhe de protecção de uma barra de litoral. E com as montanhas que te delinearam o horizonte protegias melhor um império do que qualquer Grande Muralha. E com a beleza que te encheu a alma já não precisas de acreditar em mais nenhuma eternidade senão a do teu olhar”.

As cores, infantis e isoladas como “se fosse um menino-deus a colorir desajeitadamente estes espaços”, a paisagem que convida à introspecção (“quem viaja pela Namíbia pode pensar que a vida aqui foi feita antes da palavra”), o excesso de luz e de infinito: eis que (re)descobri a viagem da minha vida.