Atualizado em 7 Abril, 2021

Astorga é um importante ponto de passagem no Caminho de Santiago e os peregrinos fazem parte do seu quotidiano. Mas não é só por isso que esta é Astorga dos caminhos

Aguardamos a hora certa na Praça de Espanha, altura em que Juan Zancuda e Colasa, os dois mais famosos maragatos* de Astorga, tocarão o sino de bronze do edifício do Ayuntamiento para a multidão de turistas e peregrinos.

Um desses caminhantes descansa as pernas e o espírito num banco junto a nós. Chama-se Matteo, é italiano, e partiu bem cedo de Hospital de Órbigo, a cerca de 18 quilómetros. Depois de lhe tirar uma foto com os maragatos do relógio, responde ao meu “Ultréia” com a habitual “Suséia”** e segue adiante, sorridente.

Falara já ao Pedro nos caminheiros, a propósito do capote de peregrino pendurado no castelo de Puebla de Sanabria. Mas do abstracto até ao concreto, a distância é abissal. Só vendo um em carne, osso, cajado e vieira é que o pequeno explorador me inundou de perguntas.

Como? Porquê? Quanto tempo demoram? “Mas isso é muuuuuito longe“, rematou impressionado. Desde então revelou-se muito atento, apontando os peregrinos com que nos fomos cruzando.

Traje típico dos maragatos.
Traje típico dos maragatos.

Para além de estar na rota francesa do Caminho de Santiago ou Via Láctea, classificado como primeiro itinerário cultural europeu pelo Conselho da Europa, a milenar Astorga fica na confluência de outro caminho antiquíssimo. Trata-se da Rota da Prata, que remonta à Asturica Augusta romana, quando servia de ponto de passagem dos metais preciosos extraídos no norte da Península Ibérica.

A importância da cidade para os romanos era tal que a dinastia flávia mandou construir uma estrada – a Via Nova – entre Bracara Augusta (Braga, Portugal) e Asturica Augusta. Este traçado foi muito útil durante a reconquista cristã. Astorga conserva ainda vários vestígios desse período romano, nomeadamente as muralhas, um museu e uma rota temática…

Deixamos a Praça do município para trás e procuramos o cartão-postal da cidade, a imagem que me fez planear esta viagem, um dos raros projectos de Gaudi fora da Catalunha: um palácio de contos de fadas, com pináculos e torreões dignos da Disney, ainda sem as linhas curvas que caracterizariam o trabalho do génio catalão.

Ao lado do Palácio, uma maravilhosa catedral do gótico florido espanhol (do séc. XV, construída sobre a sua antecessora medieval), lembra-me a de Sevilha ou até a de Salamanca. Mas acaba eclipsada pelo Palácio Episcopal de Gaudi, que acolhe hoje o Museu dos Caminhos. Demoramo-nos pelos jardins, depois de estarmos no interior, apreciarmos os vitrais e os subterrâneos romanos.

Antes de partimos, Astorga reserva-nos mais um presente. Entre o Palácio e a Catedral, decorre uma animada feira de queijos. O ar encantador do Pedrito rende-lhe generosas fatias de queijo. Ele aproxima-se por simples curiosidade, mas as vendedoras não lhe resistem ou talvez confundam o seu interesse com gulodice!

Entrada no Palácio Episcopal: 3€ adulto / gratuito para crianças com menos de 10 anos (valores de 2017)

* Habitante da Maragateria, região histórico-cultural espanhola, na província de Leão.

** Ultréia é uma expressão usada para animar os peregrinos, significando “em frente”. Já a resposta, Suséia, significa “para cima”. Ultréia e Suséia são assim os votos de sucesso para o caminho, de Santiago e da vida.