Atualizado em 23 Abril, 2021

A Suíça só se tornou membro das Nações Unidas depois de um referendo em 2002, mas a sua tradição humanitária tem séculos, graças ao fundador da Cruz Vermelha. Continuamos na francófona cidade de Genebra, sede europeia da ONU

Tudo começou quando um senhor suíço, de seu nome Henry Dunant, após a traumatizante experiência em Solferino**, decidiu criar uma organização de voluntários, neutra e imparcial, para levar socorro aos feridos de guerra. Defendeu também alguns princípios internacionais para cenários de conflito, como o direito a cuidados médicos e o tratamento dado a prisioneiros.

Estava lançada a semente da Cruz Vermelha Internacional e das famosas Convenções de Genebra. Dunant receberia o primeiro Nobel da Paz da História (1901), por aquilo que foi descrito como a “maior conquista humanitária do século XIX”. 

O actual Comité da Cruz Vermelha e Crescente Vermelho dispensa apresentações, vemos quase diariamente os seus voluntários a prestar auxílio um pouco por todo o planeta. O quartel-general desta organização fica em Genebra, cidade que acolhe mais conferências internacionais que Nova Iorque.

Genebra acolhe vários órgãos da ONU, como a OMS e a OIT, para além de muitos institutos e programas relacionados com migração e refugiados, telecomunicações, direitos humanos, comércio exterior, desarmamento e desenvolvimento.

Na cidade fica também a sede europeia da ONU, no Palais des Nations, edifício que acolheu a antiga Liga das Nações, criada para evitar a II Guerra Mundial. Embora a maior parte das decisões aconteça nos Estados Unidos da América, cinco das agências especializadas, o Conselho de Direitos Humanos e o Escritório do Alto Comissariado de Direitos Humanos estão aqui.

A tradição humanitária da cidade só é comparável à sua multiculturalidade. A compacta Genebra tem apenas 200 mil habitantes (40% deles estrangeiros) e 42 mil são diplomatas, vejam lá!

Em frente ao Palácio das Nações, uma inusitada cadeira gigante de perna partida, com 12 metros e 5,5 toneladas, chama a atenção para as vítimas das minas terrestres. Concebida pelo escultor Daniel Berset para a ONG Handicap International, a cadeira pretendeu apoiar a assinatura da Convenção de Ottawa (1997), pedindo a interdição das minas que, a cada 20 minutos, ferem ou desmembram alguém no mundo.

A obra devia permanecer ali durante apenas três meses, mas ergue-se orgulhosamente despernada até hoje, após um breve interregno em 2005.

A bela e gótica Chapelle des Macchabées (séc. XV), no interior da Catedral

Do Palais des Nations à Vielle ville

Talvez haja algo nas límpidas águas do lago Léman que inspira os seus habitantes. Numa das ruelas históricas de Genebra nasceu Jean-Jacques Rousseau, o filósofo que acreditava que o homem é bom por natureza, sendo corrompido pela sociedade…

De resto, a vielle ville proporciona um agradável passeio, na margem esquerda do lago que atraiu habitantes ilustres como Charlie Chaplin, Lenine, Freddie Mercury ou Michael Schumacher (espreitem o nosso roteiro relojoeiro aqui).

A cidade velha é dominada pela Catedral de S. Pedro (séc. XVII, sobre vestígios da época romana), local histórico da Reforma por ter sido púlpito de Calvino, o teólogo francês que deu uma dor de cabeça monumental à Igreja Católica.

Apesar de nunca ter sido ordenado padre, Calvino pregou furiosamente pela purificação da fé e dos hábitos da Igreja, permanecendo na cidade até à sua morte. Genebra acabaria por se tornar um símbolo da reforma protestante, como recorda o Muro dos Reformadores.

Apoiado nas antigas muralhas da cidade, o monumento foi construído em 1909 (para assinalar os 400 anos do nascimento de Calvino), velando sobre o Parque dos Bastiões.

O imponente muro de cinco metros tem gravações em baixo-relevo, nomeadamente o lema da cidade que bebe da filosofia calvinista – Post Tenebras Lux, Depois das trevas, a luz -, e duas datas históricas: 1536, quando Genebra adoptou formalmente a reforma, e 1602 data da Escalade, quando a cidade garantiu a sua independência política e religiosa.

Nos cantos, várias esculturas recordam os estadistas e pioneiros da Reforma e, no centro do conjunto, destacam-se os quatro grandes pregadores – Guillaume Farel, João Calvino, Theodore Beza e John Knox – todos segurando uma pequena Bíblia.

Alheios ao peso histórico de tais personagens, os genebrinos usam o extenso parque para ler à sombra de uma árvore, desenhar, brincar com as crianças ou disputar um jogo de xadrez, num dos muitos tabuleiros gigantes que ficam na entrada da Place Neuve.

© myswitzerland.com

Outras visitas notáveis: Museu Internacional da Cruz Vermelha

Em frente ao Palácio das Nações fica o Museu Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. A exposição permanente é composta por três unidades temáticas, projectadas por arquitectos de renome internacional: defender a dignidade humana (Gringo Cardia, Brasil), restaurar os laços familiares (Diébédo Francis Kéré, Burkina Faso) e reduzir os perigos naturais (Shigeru Ban, Japão).

Na entrada, as esculturas dos petrificados aludem às vítimas sem rosto das violações dos Direitos Humanos.

 

Catedral de S. Pedrosite | seg-sex: 9h30-18h30, sáb: 9h30-17h00, dom: 12h00-18h30| Gratuito (excepto subida à torre)
Museu da Cruz Vermelhasite | terça a domingo 10h00-17h00 (Verão) | Bilhete: 15 CHF (adulto), Gratuito (crianças até aos 12 anos)
Palácio das Nações:  site |seg.-sex: visitas às 10h30, 12h00, 14h30 e 16h00 | Bilhete: 12 CHF (adulto), 7 CHF (crianças com mais de 6 anos)

 

** Guerra no norte da Itália ocorrida em 1859, entre tropas francesas comandadas por Napoleão III e forças austríacas. Após 15 horas de carnificina, cerca de seis mil homens morreram e mais de 35 mil ficaram feridos. O jovem Dunant, na região a negócios, reuniu voluntários na Igreja Maggiore para tratar os feridos, independentemente da nacionalidade, inspirando a frase “tutti fratelli” (todos irmãos)