Atualizado em 15 Março, 2022

Calce as botas e venha daí para um trilho celta, nocturno, através das maravilhas naturais do Alto Minho. Uma caminhada que se prolonga sob o céu estrelado, envolta em mistérios celtas e a imensidão do mar

“Um trekking na escuridão do céu estrelado do litoral minhoto, apenas iluminado pela lua, pelas lanternas e pela luz do imaginário celta, presente num território repleto de lendas e mistérios”. A proposta pareceu-me irresistível, pelo que nos fizemos à estrada até Viana do Castelo.

O ponto de encontro foi a Praia de Carreço, com um areal protegido da nortada pelo promontório de Montedor. Iniciámos ali um trilho com quase 12 km, inspirado em histórias e tradições ancestrais, entre gravuras rupestres e pias salineiras usadas no tempo dos celtas, moinhos de vento e o farol mais setentrional do país.

Nesta praia cruzam-se vários percursos pedestres. É o caso do PR6 – Trilho dos Moinhos de Vento de Montedor (2 km) e do PR7 – Trilho do Forte de Paçô (4 km), de pequena rota, mas também os Percursos do Homem e do Garrano, que procuram promover os espaços protegidos inseridos na Rede Natura 2000, e a Ecovia do Litoral Norte, que acompanha uma parte da orla costeira e pretende estender-se entre Esposende e Caminha, num percurso total de 73 km.

Ao fundo, o mar sempre a espreitar e, à medida que a noite avançava, um céu de Verão, estrelado, pronto a ser contemplado. A caminhada terminou já a noite ia avançada, com uma queimada galega, para esconjurar males e brindar à vida.

trilho começa na Praia de Carreço
trilho celta no norte de Portugal

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O percurso do trilho celta

A primeira surpresa do trilho esperava por nós na praia vizinha: as pias salineiras de Fornelos, datadas da Idade do Ferro. Escavadas na rocha um pouco acima da linha de preia-mar, estas bacias eram usadas pelos povos castrejos para produzir sal.

Um pouco adiante, as gravuras rupestres de Montedor, igualmente pré-históricas, igualmente maravilhosas. A grande rocha apresenta pinturas e gravuras de cavalos e veados, dois animais muito próximos dos celtas. Infelizmente, todas elas precisam da luz certa para serem perceptíveis e as ondas acabarão por apagar esta obra-prima.

Voltando, por momentos, as costas ao mar, subimos até ao Lugar de Montedor, à sombra de pinheiros, o silêncio da natureza adormecida cortado apenas pelos nossos passos e pelo som das ondas. Junto às primeiras casas, no fundo de um pequeno quintal, existe outro núcleo de gravuras. As gravuras rupestres da Fraga da Bica têm motivos cruciformes, provavelmente estilizando a figura humana, e não fosse o guia, passariam completamente despercebidas.

A subida continuou depois até aos Moinhos de Montedor, do século XIX, um lugar que parece retirado de uma tela de um mestre. O Moinho do Marinheiro, em particular, é muito especial. Trata-se do único moinho de velas trapezoidais de madeira a funcionar em Portugal (foto de entrada).

O conjunto só fica completo com o Moinho do Petisco, de velas de pano, onde funciona um núcleo do Museu do Traje e é possível provar os produtos da terra, mediante marcação prévia. Esta seria a nossa sala de jantar, mas, antes de lá chegarmos, ainda nos faltava conhecer o Farol de Montedor.

Construído sobre os restos de um povoado castrejo da Idade do Ferro, o farol mais a Norte do país entrou em funcionamento em 1910, guiando desde então os homens do mar por bons rumos.

gravuras rupestres
© abracarnatureza.eu
Farol de Montedor

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Porque era hora de jantar e de assistir ao pôr-do-sol, sentámo-nos então junto ao moinho, em contemplação do oceano, antes de iniciarmos a descida, entre campos de milho e sob uma lua minguante, até a beira-mar.

Um pinhal conduziu-nos até ao Forte de Paçô, um pequeno forte marítimo do século XVIII em pleno areal, construído para defender a margem esquerda do Rio Minho e a orla costeira.

Alguns quilómetros de caminhada na areia da praia pesaram nas pernas, mas uma aula de astronomia forneceu o descanso e o deslumbramento necessários para continuarmos. Até porque nos esperavam mais gravuras rupestres de origem celta, desta vez em forma de espiral (gravuras da Laje da Churra e Pedra do Sol).

A noite perfeita terminou com um ritual milenar, para afastar os maus espíritos, muito popular entre os povos da Galiza e Norte de Portugal: uma queimada galega. Mesmo sem o pote teatral, a queima do bagaço (com açúcar amarelo, citrinos e alguns grãos de café não moídos) resultou numa poção retemperadora. O pequeno explorador nunca tinha assistido a uma e achou muita piada a algumas partes do esconjuro.

Mochos, corujas, sapos e bruxas.

Demónios, trasgos e diabos,

espíritos das enevoadas veigas.

(…)

Averno de Satã e Belzebu,

fogo dos cadáveres ardentes,

corpos mutilados dos indecentes,

peidos dos infernais cus,

mugido do mar embravecido.

Barriga inútil da mulher solteira,

falar dos gatos que andam à janeira,

guedelha porca da cabra mal parida.

trilho celta ao anoitecer

A nossa apreciação sobre a actividade

Fizemos o trilho celta com a Borealis on Trekking, uma empresa muito orientada para o turismo de natureza. Quero salientar que este não é um post patrocinado, mas resulta da nossa experiência pessoal, enquanto participantes anónimos na caminhada nocturna.

Em primeiro lugar, gostei da filosofia ecológica da empresa que promove, entre outras coisas, um programa anual de trekking – 12 meses 12 trilhos – que é também um programa de reflorestação e protecção das árvores autóctones. O trekking teve uma organização impecável, com informações precisas sobre o ponto de encontro e até condições atmosféricas.

À chegada, os guias apresentaram-se e mediram a temperatura a todos os caminhantes, antes de explicarem as regras do trilho e as medidas preventivas à covid-19.

Entre a equipa, destacou-se o José Barata, quer pela sua afabilidade com os mais pequenos (o Pedro bombardeou-o com perguntas sobre os celtas, o céu e uma infinidade de minúcias), quer pela sua experiência. Já participámos em actividades em vários pontos do planeta e encontrámos poucos guias tão entusiásticos.

gravuras rupestres dos celtas
À procura de mais gravuras rupestres

As pausas tornaram o percurso agradável, enquanto a equipa nos encantava com histórias, lendas e explicações sobre a nossa galáxia. Por exemplo, descobrimos que o nome de Portugal tem raízes celtas – mas não vou contar tudo, para não arruinar o prazer de quem participar numa futura actividade. No final, para além da queimada galega, a equipa serviu chá e bolo de alfarroba.

Em resumo, foi uma noite perfeita, com uma equipa fantástica. Vamos ficar atentos à agenda da Borealis.

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