Atualizado em 29 Novembro, 2021

De Salamanca se diz que é universal, magnífica, sábia, jovem e dourada. Saiba porque a cidade merece tantos e tão rasgados elogios

Vencemos com serenidade os 120 quilómetros que nos separam de Salamanca, na região de Castilla y León, desde a fronteira portuguesa. A manhã está linda e ensolarada, as cegonhas mostram-se atarefadas, com os últimos retoques nos ninhos e os campos estão salpicados de papoilas atrevidas.

Há nove anos que não punha os pés em Salamanca. Quando as cúpulas das catedrais anunciam a cidadela lá no topo, ainda a alguns quilómetros de distância, relembro-me porque ficou marcada de forma tão vibrante na minha memória.

Esta douta Salamanca, onde nasceu a primeira Gramática da língua castelhana, é de uma espantosa monumentalidade. A cidade possui duas catedrais, 23 igrejas, 5 conventos, 12 casas monumentais, 5 “colégios” universitários históricos e 9 palácios ou edifícios apalaçados, renascentistas, góticos, barrocos e de influência mudéjar –, quase todos do Século de Ouro Espanhol.

Uma herança que lhe valeu o título de Património Mundial da Unesco (1998), contribuiu grandemente para a sua escolha como Capital Europeia da Cultura em 2002 e explica porque lhe chamam a “pequena Roma”.

O entardecer é um momento mágico em Salamanca. Sobretudo junto às margens do rio Tormes, onde se vê o sol transformar em ouro o material com que se construiu a cidade: a pedra de Villamayor. Eis porque Salamanca é também a Cidade Dourada!

Conheça algumas das suas principais atracções, clicando nos links para informação actualizada sobre preços e horários.

#Dica: se pretende (re)visitar Salamanca no último trimestre do ano, contacte o posto de turismo para se inscrever no programa As Chaves da cidade, um percurso guiado ou teatralizado que dá acesso  a espaços patrimoniais não abertos ao público ou pouco conhecidos.

Casco viejo de Salamanca.

1. Plaza Mayor

¿Quedamos debajo del reloj?”. Manda a tradição que os encontros sejam marcados debaixo do relógio da Plaza Mayor, coração social e político de Salamanca, com o edifício barroco do Ayuntamiento a coroar o topo norte.  

Nós também começamos a visita nesta praça do século XVIII, considerada a mais bela da Espanha, junto dos seus 88 arcos, enfeitados com medalhões de figuras iminentes como Cervantes, Franco e, no extremo oposto, os reis espanhóis.

Debaixo das suas arcadas encontramos o posto de turismo e inúmeros cafés, restaurantes e bares de tapas, incluindo o histórico Café Novelty, espaço de tertúlia de pensadores, escritores e artistas há mais de um século.

A Plaza Mayor é sempre animada, mas é ao anoitecer que ganha realmente vida, com as esplanadas a encherem-se para jantar (a partir das 21h) e os grupos de amigos e ocuparem o piso empedrado. Se leva um orçamento apertado, visite, ali próximo, o Mercado Central, edifício histórico com produtos frescos e os deliciosos embutidos da região.

2. Casa das Conchas

Um dos meus sítios favoritos em Salamanca é a Casa das Conchas (entrada gratuita), num vértice da Rua Mayor, edifício gótico plateresco (típico do Renascimento espanhol) com elementos renascentistas e mudéjares. A sua fachada inusitada tem mais de 300 conchas, que originaram várias lendas, inclusive sobre um tesouro escondido debaixo duma delas.

Há quem diga que são conchas jacobinas, isto é, que honram a Ordem de Santiago, pois são semelhantes à compostela representativa dos Caminhos de Santiago. Eu prefiro a versão mais romântica, que reconhece a casa como um poema de amor – a repetição do símbolo dos Pimentel reflecte o carinho de D. Rodrigo pela esposa.

Prenda de casamento entre descendentes de famílias nobres, os Maldonado e os Benavente, o palácio já foi prisão universitária e agora é a Biblioteca Pública de Salamanca. Não imagino um espaço mais digno para uma biblioteca do que este edifício gótico recheado de estórias.

3. Universidade de Salamanca (e a sua rã)

Continuamos a explorar o casco viejo da cidade, em busca da mais antiga universidade de Espanha, que esculpiu a identidade de Salamanca no início do século XIII e, durante séculos, foi a mais importante da Europa, rivalizando com Oxford, Bolonha e Paris.

“Una de las cuatro luces que alumbran al mundo” (Papa Alexandre IV, sobre a Universidade de Salamanca)

Hoje explica o ambiente jovem da cidade e a movida das noites salmantinas. Desta instituição podia destacar os cérebros brilhantes que pariu e os ilustres reitores que teve, Unamuno entre eles. Mas nunca podia olvidar a belíssima fachada, com a célebre rã da sorte. Uma rã?

Por supuesto. A dita está esculpida sobre um crânio e, segundo a tradição, garante ao estudante que a descobrir, no meio do delírio artístico, boa sorte nos estudos. Se não conseguir descobrir o anfíbio, não deixe de admirar a bela fachada em estilo plateresco do século XVI, na praça das Escuelas Mayores.

Outra interessante história académica diz respeito aos Vítores – da expressão latina para vitória -, inscrições em paredes públicas feitas pelos estudantes que concluíam o doutoramento. Em tempos idos usava-se sangue de um touro, sacrificado para comemorar tal conquista. Ainda hoje é possível, em algumas das paredes seculares, observar as pinturas que teimam em resistir ao tempo.

Conseguem encontrar a rã nesta foto?

4. Escolas Menores

Através do Pátio das Escolas, em frente à magnífica fachada, seguimos para as Escuelas Menores da Universidade de Salamanca. Havendo tempo, é de visitar o interior desta academia que, dada a sua antiguidade, alberga várias pérolas, como claustros com uma sequoia de 200 anos,  a torre sineira, e, claro, El Cielo de Salamanca. A fabulosa pintura de Fernando Gallego é um fresco astronómico, parte da decoração da abóbada da Biblioteca Universitária que, no século XVIII, foi quase totalmente destruída por um incêndio.

No terço que conseguiram recuperar (anos 1950s), podemos contemplar alguns signos do Zodíaco, uma grande serpente, quatro cabeças que representam os ventos – descarregando o seu ímpeto nas quatro direções – , as constelações de Boyero e Hércules, de Hidra e Centauro.

O céu de Gallego inclui ainda uma maravilhosa cena do Sol numa carruagem puxada por cavalos e Mercúrio numa carruagem puxada por duas águias. “Criar um céu não é apenas desenhar estrelas, é levantar toda uma cosmogonia sobre as nossas cabeças. Um céu que nos protege e ilumina e que explica tudo. Apenas ao alcance de muito poucos homens, titãs e de poucas cidades.”

5. Catedrais de Salamanca (Nova e Velha)

Salamanca tem duas catedrais, cuja silhueta preside ao céu da cidade. As torres podem ser avistadas de muito longe, talvez porque cheguem aos 110 metros de altura. Mas é na Praça Anaya que se revelam em todo o seu esplendor!

A Catedral Nova, gótica, renascentista e barroca, altíssima (a segunda maior de Espanha), que nasce a partir da outra, mais antiga e modesta. Modesta mas forte. Devido à grossura dos muros, foi usada como abrigo anti-aéreo durante a Guerra Civil de Espanha. Até o general Franco ali se refugiou. 

Interior da Catedral Nova.

O segundo templo surgiu mais tarde – a construção prolongou-se entre 1513 e 1733 -, motivado pela fama da Universidade e pelo crescimento exponencial da população. Numa das portas da sumptuosa Catedral Nova existe um astronauta e um diabo a comer um gelado, introduzidas no restauro de 1992, para assinalar a área que foi trabalhada, o que causou muita polémica [Leia Catedrais de Salamanca: sob o céu de Gallego]

A visita à exposição Ieronimus  e a subida às torres medievais complementa a visita ao interior das catedrais, apesar de não ser aconselhável a quem tem fobias relacionadas com alturas ou espaços fechados.

#Dica: as crianças têm acesso gratuito aos áudio-guias da Catedral

6. Casa Lis

Descendo a boémia Rua de Los Libreros (parece que também é animada à noite), chegamos à Casa Lis, um palácio modernista, com uma fachada surpreendente em ferro e vidro, que acolhe o Museo de Art Déco e Nouveau.

Aninhado na muralha da cidade velha, foi construído por D. Miguel de Lis, que fez fortuna modernizando a indústria de curtumes paterna. Na altura em que construía o seu novo palácio urbano, D. Miguel era um dos cem maiores contribuintes de Salamanca e o seu espírito inovador contagiou o arquitecto, resultando num edifício ao estilo industrial, com terraços ajardinados, uma clarabóia em vidro colorido e até uma gruta.

O Ayuntamiento salvou o edifício da ruína nos anos 1990, criando um museu perfeitamente adequado ao espírito que o sonhou no século XIX.

© Casa Lis

7. Huerto de Calixto e Melibea (e o seu pôr do sol)

Continuando ao longo da rua e passando pela antiga muralha, chega-se a um dos recantos mais românticos de Salamanca: o Huerto de Calixto y Melibea. Na Primavera, o pomar fica particularmente bonito, com flores coloridas, parreiras carregadas de uvas e, no centro, um poço com cadeados.

Ponto de encontro de namorados, tal como das personagens do livro La Celestina, famosa obra da literatura espanhola – dizem que foi aqui que Fernando de Rojas se inspirou para criar o cenário daquela tragicomédia. Uma escultura à entrada do huerto evoca essa eventual inspiração literária, numa altura em que o escritor era aluno da Universidade de Salamanca.

As traseiras da Catedral servem de cenário ao tranquilo jardim, com vista para o rio. Este é um recanto encantador para descansar ao som dos passarinhos ou ver o pôr do sol. Em alternativa, pode continuar a descer em direcção ao rio Tormes.

8. Cueva de Salamanca

Antes de encerrarmos este roteiro, há tempo para duas breves paragens. Na verdade, o mais fácil seria seguir da Casa Lis para o rio, mas se a ideia é assistir ao pôr do sol, deixaremos para o final do dia.

A primeira paragem faz-se na praça Carvajal, para conhecer a Cueva de Salamanca. Conta a lenda que aqui havia uma escola de ciências ocultas. Outra crença popular é que esta é a porta de entrada para outra cidade escondida.

À sexta e sábado, a cueva é palco de um espectáculo nocturno de som e luz. Nós visitámos o lugar numa tarde de sol, há ziliões de anos, resultando num dos textos mais antigos do blog: La Cueva de Salamanca. O covil do diabo.

9. Igreja de San Esteban

A segunda paragem faz-se na Igreja de San Esteban, ou Santo Estêvão, em português, que inclui um convento dominicano, três claustros e um museu instalado na antiga biblioteca (os seus seis mil volumes foram transferidos para a universidade no século XIX).

O impressionante complexo, que teve visitantes tão célebres como Cristóvão Colombo, foi fundado no século XVI pelo Cardeal Fernando Álvarez de Toledo e sede da Ordem dos Dominicanos, atraídos à douta Salamanca por causa da sua famosa academia.

Refira-se que as estruturas originais, de meados do século XIII, sofreram intervenções no séculos seguintes, o que resulta numa mistura de estilos. O retábulo da igreja, por exemplo, obra do arquicteto José de Churriguera, é uma das mais importantes obras do barroco espanhol.

Durante o dia, a cueva nada tem de amedrontador.

10. Ponte romana

Chegamos, por fim, à ponte romana que atravessa o rio Tormes numa das suas partes mais largas. Também conhecida como Puente Mayor del Tormes, esta ponte do século I d.C. é tão importante para os salmantinos, que faz parte do brasão de armas da cidade.

Originalmente – na época do imperador Trajano – a estrutura fazia parte da Via da Prata, uma estrada romana que unia Mérida a Astorga. Apenas os arcos mais próximos do casco viejo são ainda de origem romana (os restantes foram reconstruídos), mas isso não retira encanto a esta singela ponte, sobretudo ao entardecer.

Dicas úteis para visitar Salamanca

Quando visitar

Salamanca possui Invernos frios, com temperaturas por vezes negativas (pode nevar), e Verões quentes a ultrapassarem 30 °C, o que pode tornar a viagem penosa. A melhor altura para visitar a região será entre Abril e Junho, com temperaturas simpáticas e dias já longos, para aproveitar o tempo ao máximo.

Salamanca organiza uma grandiosa Semana Santa, que poderá querer conhecer, embora a sua principal festa se celebre a 8 de Setembro, em honra da Virgen de la Vega, padroeira que repousa na catedral velha. Nesta altura, os estudantes começam a regressar à cidade, o que dá um ambiente festivo a Salamanca.

Como chegar

Ainda que existam algumas ligações directas desde Portugal, da Flixbus e IberoCoach por exemplo (e com preços simpáticos, se comprados com antecedência), a melhor forma de chegar a Salamanca é de carro. Se precisar alugar um, use o link do nosso parceiro Rentalcars. A cidade fica a 350 km do Porto e 470 km de Lisboa e possui bons acessos rodoviários.

Se chegou ao país de avião, via Madrid, saiba que pode apanhar um comboio até Salamanca desde a capital espanhola. O mais rápido faz a ligação em 1h36 minutos: consulte preços e horários directamente no site oficial da Renfe.

Dormir em Salamanca

Se quiser ficar alojado em grande estilo, e não tiver problemas de orçamento, espreite o Hospes Palacio de San Esteban (*****) um edifício histórico com piscina e vista para o convento homónimo.

Outras opções seguras, e muito centrais, são o NH Collection Salamanca (****), outro antigo palácio, e o Sercotel Las Torres (***), com várias opções de quartos familiares. Uma alternativa mais barata, com uma excelente relação qualidade-preço, é o Los Angeles Plaza junto à Plaza Mayor.

© www.sbs.com.au. O “hornazo” salmantino, em formato grande.

Comer em Salamanca

O carácter rural dos arredores chega a Salamanca pela cozinha, com enchidos, queijos e linguiças de sangue de qualidade. Inclua algumas experiências gastronómicas como o hornazo (empada recheada com presunto, bacon, salsicha e ovos cozidos), tradicional da segunda-feira de Páscoa, que pode encontrar em formato grande ou individual.

Há ainda a chanfaina (cordeiro temperado com cominhos), o cochinillo al fuego (leitão assado em forno de lenha) e carne de vitela Morucha. Depois há as tapas provenientes de terras da província – limón serrano, patatas meneás, lentejas de Armuña – e o omnipresente Jamón de Guijuelo. Li que no Convento de las Dueñas se pode comprar doces conventuais, mas não cheguei a experimentar. Se lá forem, contem-me tudo.

As opções vegetarianas são escassas, mas posso recomendar o El Rastrel Etic Café, com comida orgânica, tapas e pinchos vegetarianos e ainda uma galeria de arte.

Passeios nos arredores da cidade

Salamanca fica perto de vários lugares interessantes para explorar. Madrid fica a menos de duas horas; Ávila, Toledo e Segóvia também não ficam longe. Veja como fazer um bate-volta desde Madrid a Ávila e Salamanca. Para Norte, encontra Zamora, Astorga e o Lago de Sanabria. Se regressar a Portugal por Vilar Formoso faça uma visita a Ciudad Rodrigo, a cidade-fortaleza fronteiriça, tantas vezes esquecida.