Atualizado em 27 Fevereiro, 2023

Porque motivo a Capadócia é um dos principais destinos turísticos da Turquia? Fomos explorar as suas paisagens lunares e contamos o que de mais interessante existe na região

Capadócia, Turquia. Dela dizem que é a lua na terra. Que tem um relevo surreal e uma geografia singular. Que é capaz de seduzir o viajante mais calejado. Que tem paisagens de contos de fada e experiências mágicas. Será mero marketing turístico?

Vamos por partes. É exagero afirmar que o relevo da Capadócia é único no mundo. Lugares como o Parque Nacional de Bryce Canyon (EUA), a Floresta de Pedra de Shilin (China), alguns vales no deserto do Atacama (Chile), ou o miradouro da Lua, às portas de Luanda (Angola), oferecem paisagens naturais análogas, esculpidas pelo vento e chuva ao longo de milhares de anos.

Isso não significa que a Capadócia não seja exótica, peculiar, nos seus tons ocres, rosados a alaranjados, e que os seus pores do sol não sejam maravilhosos. Na verdade, foi a nossa região preferida na recente viagem à Turquia. Leia também Visitar Turquia: guia e dicas de viagem

Começando pelo princípio, vale a pena referir que a Capadócia corresponde a uma região da Anatólia Central, onde “cabem” várias cidades, formações rochosas incomuns, igrejas escavadas na rocha, caravançarais da antiga rota da Seda, aglomerados subterrâneos.

artesanato da Capadócia
Potes com desejos, junto ao miradouro do Vale do Amor.

O vocábulo “Capadócia” poderá ter origem num termo hitita ou persa, ambos com conotações relacionadas com uma terra de cavalos. Mas são as paisagens instagramáveis que atraem milhares de visitantes. Não lhe vou dizer que este ou aquele lugar são imperdíveis, ao contrário do que fazem muitos bloggers de viagem. Cada viajante precisa fazer as suas escolhas, os seus erros, com base nos seus interesses, orçamento, tempo disponível.

Um homem precisa viajar. Por sua conta, não pode meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu (…) Um homem precisa viajar para lugares que não conhece, para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como imaginamos e não simplesmente como ele é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver…

Amyr Klink, Cem dias entre céu e Mar

Dir-lhe-ei apenas que há algumas visitas mais consensuais na terra natal de São Jorge, inúmeros vales para explorar em caminhadas (como o Peribacalar vadisi, ou vale do amor, com as suas chaminés de formato erótico), o Museu ao ar livre de Göreme, mosteiros históricos como o de Selime, sem esquecer o simbólico voo de balão. Comecemos precisamente por aí.

Voo de balão na Capadócia

A atividade mais famosa na Capadócia são os passeios de balão, um programa caro, mas que vale cada centavo. Nós fizemos o passeio, porque há experiências que casam com destinos específicos, e descrevemos a experiência no instagram:

Amanhece na Capadócia, enquanto o vento nos conduz, numa insustentável leveza de ser. Um dos inventores do balão de ar quente, Joseph Montgolfier, descreveu-o como “uma nuvem num saco de papel”. À medida que o céu se pinta de todas as cores, desvenda-se lá em baixo uma paisagem lunar incrível. Sem asas, sem motor, sem destino. Deve ser isto a que sabe a liberdade.

Atentando nas questões práticas, é preciso considerar as condições meteorológicas e tipo de passeio. Os valores de 2022 variam entre 160€ e 300€. Os passeios mais baratos duram menos tempo, fazem um percurso restrito e sem grande variedade paisagística, com um grupo superior a 20 pessoas por balão. Os passeios mais populares ficam no ar cerca de uma hora, havendo, claro, opções mais exclusivas (e caras).

O horário de recolha no hotel pode ir das 4h30 às 6h00, para se levantar voo antes do nascer do sol. Algumas empresas oferecem um pequeno lanche, enquanto se assiste ao enchimento do balão; depois de algumas informações básicas de segurança, este levanta tranquilamente. O nascer do sol em pleno céu é mágico, abrindo-nos um mundo com sucessivos tons e o horizonte salpicado de balões.

No final, os participantes ganham um certificado de voo e brindam à experiência com champanhe. O passeio pode esgotar várias semanas antes da data, pelo que se recomenda chegar à Capadócia com o passeio agendado. Nós voamos com a Voyager Ballons, mas uma pesquisa rápida dá-lhe várias opções (leia atentamente a descrição), sabendo que, caso as condições meteorológicas impeçam o voo, será reembolsado do valor pago.

#dica: o passeio é recomendado para crianças a partir dos 6 anos, mas a empresa com que voei diz que aceita crianças com 5 anos, desde que as condições meteorológicas sejam perfeitas. Roupa e calçado confortável facilitam a entrada no cesto.

Göreme, Património Mundial da UNESCO

O Museu Nacional de Göreme e os sítios rochosos da Capadócia guardam histórias já conhecidas e também segredos ainda não revelados. Seguramente, testemunharam os dramas de povos que se fixaram num território que caiu sob sucessivos domínios: assírios, hititas, reino da Lídia, persas, até ser conquistado por Alexandre, o Grande e depois integrar o império romano. Seguiu-se ainda o Império Seljúcida e a ocupação otomana.

A Capadócia é um caldeirão dessa herança e também da migração lenta de cristãos perseguidos, a partir do século I. Até porque, não muito longe, São Pedro fundou a primeira comunidade cristã. Vários teólogos e santos nasceram na região, nomeadamente São Mamede, São Basílio Magno e Gregório de Nissa.

Depois de ser usado como necrópole, durante a época romana, o vale de Göreme acolheu essa crescente comunidade cristã, resultando em inúmeras igrejas esculpidas na rocha macia da região, classificadas como património mundial da Unesco em 1985.

Museu de Goreme

Apenas algumas das 30 igrejas estão abertas ao público, no Museu ao Ar Livre de Göreme (150 ŧ, no Verão de 2022). Os soberbos frescos, com cenas do Antigo Testamento, não podem ser fotografados, para não serem danificados.

Apesar da classificação da Unesco, várias igrejas/grutas estão vandalizadas, pelo que entendo a exigência de pagar um valor extra (50 ŧ) para visitar a “joia da coroa”, alvo de um projeto de restauro recente: a Igreja escura (Karanlık), onde a falta de luz ajudou a preservar os afrescos do tempo implacável. Das restantes  igrejas, destaca-se a de Santa Bárbara e Tokalı, decorada com lápis-lazúli.

Dica: se tiver tempo, pode visitar também o Museu ao Ar Livre de Zelve (em Pasabagi), num vale profundo. Uma verdadeira cidade troglodita (como se chamava aos humanos há mais de 4 mil anos), que tem túneis, passadiços e escadas que ligam as habitações, para além de três igrejas escavadas na rocha e uma mesquita. A cidade foi habitada até 1952, altura em que foi atingida por um forte sismo.

As fascinantes Chaminés de Fada

As formações geológicas surreais da Capadócia são o resultado de duas forças opostas: a atividade vulcânica, na fase de construção, e a erosão, na fase de destruição, causada pelo vento, clima com mudanças drásticas de temperatura, chuva densa, degelo na primavera e os rios.

Desse processo de erosão resultaram as famosas Chaminés de Fadas, como poeticamente se chamam às formações de forma fálica, em tons cambiantes entre o bege, o rosa-pálido e o amarelo-palha. A maior concentração – uma verdadeira floresta, com chaminés que podem alcançar 40 metros – fica no caminho de Göreme para Avanos (Paşabağ), numa região conhecida como Vinha dos Monges, porque S. Simão e outros monges se instalaram ali, em busca de isolamento.

Também pode apreciar chaminés de fada no Vale do Amor (puxe pela imaginação para descortinar a razão do nome). Na verdade, estes cenários exuberantes em desfiladeiros e vales escarpados estendem-se por extensos 300 km2.

Teriam ali, sob a terra, vivido criaturas mágicas, como parecem ter acreditado os primeiros habitantes da Capadócia? Do alto dos balões que vogam ao sabor do vento, ou de terra firme, novos e insólitos desenhos desvendam-se na paisagem: “cogumelos”, “pedestais”, formações alongadas.

O cenário está em constante transformação: a erosão é mais notória na superfície dos cones de tufa calcária, em contraposição à parte superior (as tampas) de natureza basáltica, logo mais resistente. Com a continuação do efeito da erosão, os pedestais acabam por colapsar, formando novos cones.

Vales e castelos com formações geológicas fantásticas

Poderá também querer incluir no roteiro o Vale da Imaginação, onde algumas rochas que se parecem com animais, e o Vale dos Pombos (a 3 km de Göreme) com uma linda paisagem sobre o Castelo de Uçhisar. Os pombos substituíram os humanos por estas paragens e as habitações nas rochas foram convertidas em pombais, enfeitadas por uma espécie de “aguarela” amarela que resulta dos excrementos das aves.

Saiba que de Uçhisar parte um dos trilhos mais bonitos da Capadócia, com passagem no vale dos pombos – entre túneis abertos pelo fluxo poderoso das águas e sob a banda sonora de milhares de aves – em direção ao castelo de Uçhisar (foto de entrada do post), o ponto mais alto da Capadócia, escavado numa rocha gigantesca e porosa.

Não podia deixar de mencionar também os Vales Rosa e Vermelho, entre Çavuşin e Göreme, cujos nomes advêm dos tons das suas rochas, que mudam ao longo do dia e atingem o seu esplendor máximo ao pôr-do-sol.

Se é fã de caminhadas, vai gostar de saber que há inúmeros trilhos disponíveis na região, que passam pelos vales mais emblemáticos. O Jackson Groves, que se dedica a todo o tipo de aventuras na natureza, tem um post bastante completo sobre os trilhos da Capadócia, em inglês.

O Vale dos Pombos, com vista para o Castelo de Uçhisar.

Cidades subterrâneas da Capadócia

A localização da Capadócia tornou-a uma encruzilhada das rotas comerciais ao longo dos séculos. Possivelmente, os habitantes usaram as rochas macias, facilmente trabalhadas, como refúgio das sucessivas invasões, dando origem a inúmeras cidades subterrâneas. Cerca de 36 dessas povoações são visitáveis, mas haverá dezenas ou centenas por explorar.

Derinkuyu é a mais profunda de todas (o nome significa “poço fundo”), estendendo-se até aos 85 metros de profundidade. Construída algures entre os séculos VII e VIII a.C., nos tempos áureos chegou a ter cerca de 20 mil habitantes, mais o seu gado.

Sim, ali mantinham estábulos, produziam vinho, armazenavam comida e viviam longe da luz do sol, tudo ligado por uma densa rede de túneis. Num dos níveis mais profundos desta cidade, que foi habitada até ao século XX, existe uma igreja em formato de cruz, testemunha não só dos mártires que entraram para a história, mas também de outros que morreram anónimos.

Outras cidades subterrâneas da Capadócia bem conhecidas são Ozkonak (14 km de Avanos) e Kaymaklı (a sul da cidade de Nevşehir) todas elas perfeitamente preparadas para receber turistas. Mas para quem tem claustrofobia, este não será o melhor dos programas.

Existem cidades mais pequeninas, como a de Saratli (perto da cidade de Aksaray), refúgio de São Mercúrio da Cesareia, que não será uma experiência tão angustiante para quem se sente desconfortável em espaços fechados.

Dicas úteis para visitar a Capadócia

Quando ir

Entre abril e outubro, as condições são mais favoráveis para os voos de balão, com noites quentes, céu limpo e ar fresco. No entanto, no pico do verão, fazer um trilho poderá ser um desafio, altura em que a região atinge uma temperatura média de 30° C. Ainda assim, não é tão quente como outras regiões da Turquia.

Entre novembro e fevereiro, o tempo tem altos e baixos e temperaturas baixas (embora o mês chuvoso seja abril), mas existe a possibilidade de voar sobre uma paisagem com neve, o que é uma experiência única. Para além disso, os lugares não ficam tão apinhados.

Ou seja, vai ler que as épocas mais indicadas para visitar a Capadócia são o outono e a primavera, quando as temperaturas estão mais amenas. Mas faça o que lhe ditar o coração ou, simplesmente, aproveite as suas férias (nem toda a gente consegue viajar quando quer). Poderá querer fazer coincidir a sua visita com o Cappadox, o maior festival do país, numa combinação de música, arte contemporânea, gastronomia e disciplinas ao ar livre.

Como chegar à Capadócia

A Capadócia fica a cerca de 700 km de Istambul, facilmente transpostos com um voo da Turkish ou da Pegasus Airlines, uma companhia aérea low-cost turca. Qualquer que seja a escolha, a viagem dura cerca de uma 1h15.

Do aeroporto de Kayseri (ASR), demora pouco mais de uma hora a percorrer os cerca de 70 km até à cidade de Göreme. Sendo o aeroporto principal da Capadócia, tem mais opções de voos e, muitas vezes, mais baratos. O Nevsehir Kapadokya (NAV) é o aeroporto secundário, sensivelmente uns 20 minutos mais próximo daquela cidade.

Se quiser evitar pagar um táxi caro para fazer esse percurso desde o aeroporto, reserve antecipadamente um shutlle, partilhado e económico, numa carrinha com ar condicionado: Transfer para Goreme, Capadócia.

O autocarro é uma alternativa próxima, em termos de custo, para chegar à Capadócia. Mas a viagem desde Istambul demora 12 horas. A não ser que queira visitar outros locais da Turquia pelo caminho, não compensa. Caso o seu destino anterior seja Pamukkale, nesse caso, o melhor método de transporte é mesmo o autocarro [Clique para consultar horários e preços].

Já na Capadócia, não será fácil visitar o que pretende usando transportes públicos, sendo por isso necessário alugar um carro, contratar um guia particular com transporte ou contratar excursões locais (não faltam opções para isso).

Onde ficar

Encontra hotéis e restaurantes charmosos em Göreme, Ürgüp (eventualmente a cidade mais famosa) e Uçhisar. Das três, Göreme será porventura a mais central, em relação aos pontos de interesse da Capadócia, com bons acessos e muita variedade de alojamentos.

Na minha opinião, é sempre interessante escolher um alojamento com terraço, de onde possa apreciar os balões de ar quente ao nascer do sol, como neste Luvi Cave Hotel ou no Sultan Cave Suites, que dizem ter a melhor vista.

Nós ficámos na estrada entre Nevşehir e Ürhup, no hotel Ramada by Wyndham Cappadocia, um cinco estrelas simpático, mas com uma decoração muito ocidentalizada. Se houver uma próxima visita, pretendo escolher um hotel mais tradicional, com quartos-caverna.

Artesanato vendido junto à entrada da cidade subterrânea de Saratli.

Gastronomia

A cozinha da Capadócia foi moldada pelo seu património cultural e pelos seus produtos frescos. O dia começa com um pequeno-almoço tradicional , que inclui queijos, tomate e pepino, pimentos verdes e azeitonas, compotas, mel, manteiga, para além de vários pastéis, salchichas caseiras e ovos menemen. Tudo acompanhado com o fragante chá turco.

Ao almoço e jantar, poderá querer provar o estufado com alperce (Kayısı Yahnisi) e arroz zerdeli, que tem açafrão, amêndoas e uvas. Outro prato bem tradicional é o testi kebab, carnes assadas em recipientes de cerâmica (a olaria regional é muito reputada). Legumes, carne e lentilhas são cozinhados lentamente no tandoor, o forno tradicional, num pote de barro selado. Antes de servir o prato, rompe-se o selo com uma espetacular demonstração.

Em todos os restaurantes de Capadócia é possível encontrar pide, o pão turco quente. Muitas vezes, é acompanhado por coalhada, tomate carnudo e um molho de iogurte fresco. No campo das sobremesas, destaca-se a utilização da abóbora. O clima da Capadócia é ideal para o cultivo da vinha, pelo que a região tem uma longa tradição de vinhos peculiares resultantes do cultivo em solo calcário.

© turkishfoodie.com

Compras na Capadócia

A Capadócia é famosa pela produção artesanal de opulentos tapetes em seda e lã. Aliás, a maioria das práticas de tecelagem usadas para criar tapetes teve origem na Ásia Central e Ocidental. Em particular as tribos nómadas, que não possuíam móveis, especializaram-se na sua produção.

Existem atualmente dois tipos principais de tapetes na Anatólia central. O primeiro e mais antigo – poderá ter surgido perto de Konya, em 7.000 a.C. – é o kilim, usado ​​para fazer malas de viagem e almofadas de chão. O segundo tipo, halı (tapete com nós), acredita-se ter sido introduzido aqui por tribos nómadas, durante o século XII. Eram usados ​​para cobrir as paredes e o chão das casas de pedra, tornando-as mais aconchegantes e quentes.

Avanos (a 18 km de Nevşehir) é famosa pela sua tradição oleira, desde os tempos dos hititas. Algumas oficinas permitem aos visitantes produzirem a sua própria peça e, se o talento, for escasso, tem sempre muita cerâmica local para comprar como recordação.