Atualizado em 16 Abril, 2021
A praça-forte de Almeida fez parte de um esforço de renovação bélica, após a Restauração da independência no século XVII. Hoje, é uma testemunha pacífica do passado e uma tranquila aldeia histórica
O olhar perde-se na lonjura da paisagem e nada perturba a tranquilidade desta tarde de Outono. Quem diria que este solo já bebeu, sedento, o sangue de milhares de pessoas? António Gedeão, que sempre nos inspirou com os belos versos da Pedra Filosofal, foi também autor do Poema da Terra Adubada. Deixo-vos aqui o excerto final, para sentirem as arestas das palavras, duras:
As rubras flores vermelhas não são papoilas, não.
É o sangue dos soldados que está vertido no chão.
Não são vespas, nem besoiros, nem pássaros a assobiar.
São os silvos das balas cortando a espessura do ar.
Depois os lavradores
rasgarão a terra com a lâmina aguda dos arados,
e a terra dará vinho e pão e flores
adubada com os corpos dos soldados.
Lembrei-me desta metáfora quando visitei a Praça Forte de Almeida (distrito da Guarda), quase na fronteira espanhola, com o meu pequeno explorador. Dizem que este é um exemplar magnífico de arquitectura militar barroca, de estilo Vauban.
O passado bélico de Almeida
Explique-se que esse senhor Vauban, um marquês francês, era estratega militar. Ele empresta o nome a fortalezas com uma configuração quase poética, apesar do seu objectivo mortífero. Quem sobrevoar o forte de Almeida verá que tem a forma de uma estrela assimétrica, com 12 pontas (seis baluartes e seis revelins, aprendi hoje).
Porque é que Almeida necessitou de tamanho investimento bélico?
Bem. Aqui se bateram mouros contra cristãos, depois portugueses e castelhanos, batalhas que duraram séculos até se firmarem as fronteiras nacionais. Também aqui se tentou rechaçar as tropas de Napoleão, durante as invasões francesas do século XIX. Pouco depois, liberais e absolutistas defrontaram-se por ideais políticos. E mais sangue foi derramado.
Hoje, os largos fossos defensivos são tomados de assalto por plácidos rebanhos de ovelhas a pastar. Ultrapassados os dois portões monumentais, belíssimos, a vida intramuros surpreende-me. Pensei que a vila estaria deserta. Mas ainda aqui mora gente, há correios e repartições de finanças, há algumas lojinhas e hortas nos quintais.
Talvez por causa da sua história, existe também um Museu Militar, que não visitei. Apesar do valor da entrada ser simbólico (1 euro), ver artefactos de guerra não me atrai minimamente.
Outros pontos me atraíram: as ruínas do castelo, a paisagem tranquila, o picadeiro real recuperado, algumas obras de arte contemporâneas perdidas ali pelo meio. O Pedrito encantou-se com o burrito de olhos meigos, que parou de comer, como que para nos cumprimentar.
Deixámos o mundo muralhado para trás e honrámos, com um último olhar, o monumento à liberdade erigido este ano logo em frente. Entre as inscrições, as belas palavras de Sophia de Mello Breyner Andresen: Esta é a madrugada que eu esperava / o dia inicial inteiro e limpo / onde emergimos da noite e do silêncio / e livres habitamos a substância do tempo.
O meu filho reclama a sua merenda, mas eu já planeei o sítio ideal para o nosso lanche. A poucos quilómetros de Almeida, estaciono o carro na berma da estrada, logo depois da moderna ponte sobre o rio Côa. Seguimos um trilho a pé, apenas um ou dois minutos, e encontramos a velha ponte, romana. Comemos a olhar para este cenário maravilhoso, embalados pela melodia das águas!
Dicas úteis
Como chegar: De Lisboa, seguir pela A1 em direcção ao Norte, cortar para a A23 e seguir nessa auto-estrada até à Guarda. Na Guarda, entrar na A25 em direcção a Vilar Formoso. Como alternativa pode optar pela saída no nó do Alto Leomil, apanhando a EN324, indo entroncar com a EN340 rumo a Almeida. Do Porto, seguir pela A1 em direcção ao Sul, cortar para a A25 e seguir nessa auto-estrada até Vilar Formoso. É possível ir de comboio, de Lisboa, Porto ou Coimbra até Vilar Formoso e, ali, apanhar um autocarro até Almeida.
Onde ficar: uma boa opção pode ser o Hotel Fortaleza de Almeida, um 4 estrelas dentro das muralhas da histórica vila de Almeida. Mas, para mim, nada bate o charme de O Revelim.
O que comer: a região é conhecida pelos seus enchidos, queijos e pratos à base de caça como coelho à caçador e arroz de lebre. Quem, como eu, não come carne, pode sempre optar pelo bacalhau, pela açorda de alho ou pela salada de meruges (planta silvestre parecida com o agrião).
O que visitar: Para além de outras aldeias históricas na região, nomeadamente Castelo Mendo, saibam que Almeida fica na fronteira com Espanha, sendo fácil visitar, a partir dali, Ciudad Rodrigo ou Salamanca.
19 Comentários
Ruthia, soube tão bem ler um pouco da história do meu país escrita por você! E as fotos! Belas e bem escolhidas. Uma das coisas que me surpreende sempre, é o amor pela arquitetura portuguesa que encontro em cada país que conheço. A história também: rica em eventos marcantes e interessantes, apesar de não tirar orgulho dos eventos inumanos que a preenchem por vezes…
Como sempre, fez-me viajar em leitura… desta vez, apenas a alguns quilómetros do sítio onde vivo.
Um abraço.
Que rica aula nos deste aqui. Beleza pura. Adorei ver e o burrico, lindo também!! Gostei de tudo! Bom te ler! beijos,chica
Vocês estragam-me com mimos, mas sabe tão bem… Então onde é que Dulce está a morar? Como estou a trabalhar aqui perto da fronteira, estou a planear uns passeios também por Espanha…
Um doce domingo para as duas
mais uma aula maravilhosa…concordo contigo e também não gosto de ver material bélico, acho triste e revoltante… menina, que lindo local para fazer o lanche… e me emociono com a educação repleta de cultura que teu pequenino tem..pois é de pequeno que se aprende a amar e respeitar tudo, das pessoas as história, dos locais visitados às plantas… e por ai vai
bjs desejando ótimo domingo de outono para vocês
tititi da dri
Adriana querida, gostava realmente de ver crescer o meu filho com curiosidade pelo mundo que o rodeia, com sensibilidade para apreciar uma obra de arte, solidário para com o próximo.
Tento fazer o melhor possível, embora educar seja tão difícil nos dias de hoje. Tu sabes do que falo, também tens um menino pequeno…
Um beijinho e um doce domingo também para ti
Vejo que já encontraste o que fazer aí nesse fim do mundo. Vai descobrindo as maravilhas para depois me mostrares quando me perder por aí.
Um beijo enorme já com saudades!
Oh linda, tenho que aproveitar enquanto não chega o frio a sério, depois é a doer… Estivemos sozinhos este fds, partimos à aventura os dois!
Já prometi uma visita à Serra da Estrela ao Pedro, ele quer ver neve. Na verdade, ele já viu uma vez mas era muito pequenino para se lembrar!
Já vi as fotos das férias, muito giras. Beijinho
Olá querida, nossa você coloca cada foto de cada lugar aqui e vai contando um pouquinho que eu sempre fico a babar e desejando conhecer a parte cultural desse nosso mundo 😀
Tenha uma ótima semana,
Beijos
Té
Obrigada linda Té. E parabéns pelo novo look do blog, pela colaboração com o chef, a loja online… ficou tudo fantástico.
Um beijinho e uma doce semana
Ruthia
Uma verdadeira aula de história! Fantástico!!!
Adorei!
Um grande abraço pra ti!
Obrigada querida.
Um doce restinho de semana para vc
Ah, bem precisávamos desses homens agora para nos defenderem dos saques que nos andam a fazer!
Já estive em Almeida numa viagem de estudo na adolescência, até tenho por aí uma fotografia 😉
Beijinhos, boa quinta!
Madalena
Haha, saque é o termo certo…
É para não dizeres que só falo de sítios que não conheces!
Beijinho querida
Querida Ruth
Fez-me bem a sua visita. Há dias em que parece que não há sol que nos aqueça, e de repente acontece qualquer coisa que modifica o nosso estado de espírito. Foi isso que aconteceu.
Esta postagem, para meu gosto, está óptima (digo NÃO ao acordo ortográfico…). Sou apaixonada por História – livros, filmes,fotos, reportagens…) especialmente pela História de Portugal.
Apesar de conhecer bastante bem o nosso país, lamentavelmente nunca fui a Almeida, o que considero uma lacuna, tanto mais que se trata de uma vila histórica. Já estive várias vezes lá por essas redondezas – Guarda, Covilhâ (aqui já fui inúmeras vezes) Monfortinho, etc., etc. Talvez lá mais para o verão calhe… até porque depois desta linda reportagem fotográfica (e não só…) fiquei com curiosidade em conhecer.
Para terminar direi que gosto muito de Gedeão e Sopfia.
E não posso ir-me embora sem dizer que acho maravilhoso que faça estes passeios com o Pedro. É de pequeninos que os gostos se educam, e só lhe faz bem começar a apreciar as nossas belezas. Gostei muito da foto em que estão vocês os dois. Está linda!
Bom fim de semana, querida.
Beijinhos
Agradeço com muita humildade este elogio vindo de uma pessoa que vive e escreve como a Mariazita. E sim, tento sempre envolver o meu pequenito nestas explorações porque acho importante que cresça sensível ao outro, ao património, às artes e à natureza.
Um beijinho, minha querida
Um belo passeio. Aliás, todo o interior – o das pequenas estradas – é perfeito deslumbramento a cada curva.
Beijo 🙂
Hoje estou passando para lhe desejar uma ótima semana!!
Que ela seja abençoada querida 😀
Beijos
Té
Obrigada querida. Para vc também, energia positiva para mais uma semana. Abraço
[…] fortalezas em Portugal que podem ser apreciadas ainda hoje. É o caso da Fortaleza de Valença, do forte de Almeida, das muralhas de Monsaraz, ou dos baluartes do Forte de São Neutel, em Chaves, para mencionar […]