Atualizado em 27 Fevereiro, 2023

Macedo de Cavaleiros, no nordeste transmontano, é um território único no mundo. Tradições ancestrais, comida genuína, paisagens protegidas e estruturas geológicas com muitos milhões de anos. Do que está à espera para visitar?

Os caretos de Podence colocaram Macedo de Cavaleiros no mapa turístico internacional, com a classificação desta folia única, colorida e contagiante, pela UNESCO (leia Património Mundial da UNESCO em Portugal). Mas nem só de Entrudo Chocalheiro se faz este destino no coração do nordeste transmontano.

Na tranquilidade do reino mágico de Trás-os-Montes existem outros tesouros quase desconhecidos. Um deles é o Geopark Terras de Cavaleiros, com rochas que fazem parte da biografia do planeta. A somar a estas rochas velhinhas, há ar puro. E paisagens encantadoras. E águas que são fonte de vida, de biodiversidade e lazer. Há mergulhões com rituais de acasalamento assombrosos.

Em Macedo de Cavaleiros há ainda iguarias gulosas e bom vinho. Há entardeceres bucólicos e silenciosos. Há aldeias que zelam pelas memórias de outrora e gente que nos acolhe de braços abertos.

Depois de ler este artigo, acredito que vai querer passar um fim-de-semana prolongado ou uma semana tranquila nesta terra que recebeu o nome de dois cavaleiros valentes, que aqui habitaram na época dos mouros e que usavam fortes maças (mocas) como arma.

Três montes, três tipos de rocha: um do manto e dois da crosta terrestre. Deviam estar no interior da terra, mas estão à vista de todos!

Nove passos, nove concelhos

As Terras de Trás-os-Montes ficam no extremo nordeste de Portugal, um território de incalculável valor ecológico, formado por nove concelhos com diferentes riquezas: Alfândega da Fé, Bragança, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mirandela, Mogadouro, Vila Flor, Vimioso e Vinhais.

A região tem tradições únicas como as Festas de Inverno e as máscaras, três parques naturais – Montesinho, Douro Internacional e Vale do Tua -, a maior reserva transfronteiriça da Biosfera e um geoparque da rede UNESCO. Vai daí os concelhos juntaram-se no projecto Nove Passos, para divulgar a sua Natureza através de nove trilhos ou percursos pedestres. Em cada concelho é proposto um percurso com direito a carimbo no Passaporte Natural.

Foi criada também uma app, disponível na app store e Google Play, que funciona offline (importante, porque a rede de telemóvel não é constante), com a descrição detalhada dos percursos e respectivo tema, localização e ficha técnica, áreas protegidas em que se insere, monumentos naturais, etc.

Foi com entusiasmo que 18 membros da ABVP – Associação de Bloggers de Viagem Portugueses aceitaram o desafio para explorarem estes trilhos, como muitos de vocês tiveram oportunidade de perceber, nos stories do Instagram.

Trilhos em Macedo de Cavaleiros

No concelho de Macedo de Cavaleiros, território classificado pela UNESCO como Geopark Terras de Cavaleiros devido à sua importância geológica, existem 24 percursos pedestres de pequena rota marcados, de diferentes níveis de dificuldade. É uma delícia caminhar pela região, que integra duas importantes áreas protegidas: o sítio de importância comunitária Morais (rede Natura 2000) e a paisagem protegida da Albufeira do Azibo.

O percurso de Macedo de Cavaleiros que faz parte do projecto Nove Passos, Nove Concelhos é o PR4 Trilho Quercus, dedicado às aves aquáticas. Com cerca de 8 quilómetros, este percurso linear tem partida (ou chegada) junto à praia fluvial da Fraga Pegada, e percorre uma parte das margens da albufeira.

Criada nos anos 1970 para abastecimento de água da população e aproveitamento agrícola, a barragem foi sendo colonizada por muitas aves, que aqui procuram refúgio e nidificam. O mergulhão-de-crista – de vistosas plumagens e danças nupciais ainda mais inusitadas – é o símbolo do trilho e da paisagem protegida. Mas pode observar muitas outras aves, nos dois observatórios criados para esse fim: garças, mergulhões pequenos, patos-reais, guarda-rios, corvos marinhos… Sem esquecer o milhafre-real, em perigo de extinção, e tantos outros mamíferos e anfíbios.

Não nos esquecemos que estamos em território do Geopark, com a visita ao geossítio metavulcanitos da Fraga da Pegada, isto é, rochas de origem vulcânica onde foram escadas gravuras rupestres, e o curioso xisto borra-de-vinho a surgir, aqui e ali.

O trilho tem sombra na maior parte do caminho, pois a albufeira é rodeada de farta vegetação, em particular de frondosos sobreiros. No entanto, existem duas subidas mais íngremes sem sombra (leve chapéu).

Junto à aldeia de Santa Combinha, espreite a belíssima paisagem do miradouro, passeie entre as casas de xisto e visite o espaço de trabalho do artesão conhecido como “Zé das Casinhas”. Se tiver tempo, regresse para conhecer o PR2 Trilho Ricardo Magalhães, circular, onde foram identificadas 43 espécies de borboletas e muitas libélulas.

Os sobreiros que deram nome ao percurso pedestre.

O que visitar em Macedo de Cavaleiros

A Natureza é um grande atractivo de Macedo de Cavaleiros, mas não é o único motivo para visitar a região. Para mim, há três outros grandes motivos para rumar até lá: o impressionante Geopark Terras de Cavaleiros, a albufeira do Azibo com as suas praias galardoadas e a aldeia de Podence.

Monumentos geológicos

Comecemos pelo Geopark Terras de Cavaleiros, que integra a rede mundial de geoparques da UNESCO desde 2015. Com uma geologia que nos transporta até há 540 milhões de anos, é considerado um dos cinco umbigos do mundo, locais que explicam a dinâmica dos oceanos e continentes ancestrais.

Por exemplo, no Monte de Morais, as rochas contam-nos a história do choque de dois continentes anteriores à Pangea e do desaparecimento do oceano Rheic, “pai” do nosso oceano Atlântico. Mas há um total de 42 geossítios identificados e algumas dessas formações geológicas têm relevância internacional.

Eu conheci o G31 – Gnaisses de Lagoa (41⁰ 25’ 30.0’’ N; 6⁰ 45’ 45.7’’ W), o G32 – Descontinuidades de Conrad e Moho (41⁰ 25’ 06.1’’ N; 6⁰ 45’ 50.5’’ W) e o G36 – Poço dos Paus (41⁰ 28’ 42.03’’ N; 6⁰ 51’ 00.19’’ W).

Vamos a uma pequena explicação sobre eles. Os gnaisses (não é curiosa esta palavra?) ficam na margem direita do rio Sabor, muito próximo da aldeia da Lagoa, e são rochas com mais de 500 milhões de anos, que testemunham a existência de um pequeno continente muito anterior aos que existem hoje.

Os gnaisses apresentam cristais de forma alongada, causados pela pressão e movimento a que a rocha foi sujeita ao longo dos milénios.

Muito perto ficam as maravilhosas descontinuidades sísmicas de Conrad e a de Moho: superfícies que separam diferentes tipos de materiais no interior do planeta Terra à vista de todos! Uma descontinuidade separa o manto da crosta inferior e a outra separa a crosta inferior da superior.

O geossítio Poço dos Paus fica na aldeia de Chacim e tem rochas que se formaram no antigo oceano Rheic, antes dos continentes chocarem e este desaparecer. Rochas do mesmo tipo que existem nas profundezas do Atlântico.

Estes monumentos geológicos têm placas informativas. Mas dificilmente teria percebido a raridade destas pedras sem a explicação do geólogo Pedro Peixoto, que se mudou para Macedo de Cavaleiros por causa do Geopark e (percebe-se) é completamente apaixonado por este território especial.

Dica: na aldeia da Lagoa, procure a Tia Maria Luísa que, provavelmente, estará de volta do forno a cozer pão. Sente-se a conversar e deixe-se contagiar pela alegria que emana, aos 82 anos de idade. Embaixadora do geoparque, a tia Maria Luísa é uma lição de vida ambulante. Um cancro na flor da idade roubou-lhe o sonho de ser mãe, mas adoptou não poucas crianças, cuidou delas como suas. Hoje, é acarinhada por toda a comunidade e afirma, peremptória: “eu nasci para ser feliz”.


Albufeira do Azibo

Três linhas de água transformaram esta paisagem, hoje protegida, resultando no imenso lago do Azibo. Graças à sua beleza e qualidade ambiental das suas praias fluviais, o Azibo tornou-se um dos maiores atractivos do nordeste transmontano no Verão.

Praticamente lado a lado, a praia da Fraga da Pegada e a praia da Ribeira estão entre as melhores praias fluviais do país, galardoadas com bandeira Azul, ano após ano, graças à água cristalina e boas infraestruturas de apoio. A praia da Ribeira foi mesmo a vencedora das 7 Maravilhas Praias de Portugal. Para além de um extenso relvado, encontra ali parque infantil, campos de jogos, restaurante-café, casas de banho e duches. Também é possível praticar desportos aquáticos não motorizados como canoagem, vela e stand up paddle.

Para além de relaxar numa das praias, a albufeira oferece outras actividades apetecíveis. Por exemplo, experimentei um passeio de trotinete eléctrica com a Azibo Nature e um charmoso passeio, num barco solar e ecológico, com a Sun Azibo Cruzeiros, onde consegui vislumbrar mergulhões-de-crista com binóculos e fui mimada com um espumante e produtos regionais.

Entre as várias experiências que esta empresa oferece, o cruzeiro ao pôr do sol deve ser particularmente bonito (e romântico), sobretudo no recanto de águas calmas após as “portas” do Azibo. Já foi escolhido para vários pedidos de casamento, como podem imaginar.

Aldeia de Podence e os seus caretos

Macedo de Cavaleiros rima com Entrudo Chocalheiro. É mesmo obrigatório uma visita à aldeia de fortes tradições que gerou os tradicionais Caretos de Podence, Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO desde 2019.

Visitar Podence durante o Entrudo Chocalheiro, quando o diabo anda à solta pelas ruas, deve ser uma experiência fantástica. Os rapazes mascarados saem em corrida desenfreada nos seus fatos coloridos, perseguindo as raparigas para as “chocalhar”: agitam os chocalhos pendurados que vão embater, por vezes dolorosamente, nas suas vítimas. A tradição serve como despedida do Inverno e para marcar o início da Quaresma, com excessos que têm raízes nas antigas saturnais romanas, em homenagem ao deus das sementeiras.

Recorde outro carnaval tradicional, bem genuíno, no norte de Portugal – Carnaval de Lazarim: caretos e senhorinhas.

Um careto gigante recebe os visitantes à entrada da aldeia de Podence.

Qualquer altura do ano é boa para visitar a Casa do Careto, onde se explica as personagens misteriosas e todo o trabalho realizado para que não se perdesse estas tradições seculares. E para passear na aldeia, cada vez mais colorida, graças à imaginação de artistas que pintam nas paredes várias versões dos diabretes.

Em Podence vivi uma das experiências mais interessantes desta viagem a Macedo de Cavaleiros. Os artesãos Filipe e Sofia mostraram como se fazem os fatos de lã e as máscaras de metal, na sua oficina à entrada da aldeia. O Filipe aprendeu a fazer máscaras em pele com o avô e, o que começou por ser um hobby, passou a ser a sua actividade profissional em 2014.

Depois juntou-se-lhe a Sofia, no trabalho artesanal e na empresa de animação turística. Eu participei no workshop de pintura de máscaras desta dupla de artesãos e a minha obra prima está, orgulhosamente, em lugar de destaque da minha sala.

A Sofia tem a máscara que pintei. Não está gira?

Mais para fazer em Macedo de Cavaleiros

Já enumerei argumentos mais que suficientes para visitar Macedo de Cavaleiros. Ainda assim, refira-se que a cidade possui vários espaços museológicos, de que são exemplo o Museu Martim Gonçalves de Macedo, em homenagem ao soldado que salvou o futuro rei D. João I, o Museu Municipal de Arqueologia ou o Museu do Mel e da Apicultura, o primeiro do género criado em Portugal (a lista completa de museus aqui).

Longe do centro histórico, destaco dois locais que poderá querer incluir no roteiro. A pitoresca aldeia de Vale Pradinhos, onde se produz o famoso vinho Valle Pradinhos desde 1913. Na aldeia de Chacim, sugiro uma visita ao pacífico Convento de Balsamão, que pode conjugar com o G36 – Poço dos Paus.

A casa dos padres marianos da Imaculada Conceição é um lugar de recolhimento, silêncio e paz. É possível ficar alojado neste complexo, partilhando alguns dos espaços com a comunidade religiosa, que está sempre disponível para conversar. Os quartos não têm televisão, as refeições são feitas em conjunto, com produtos da horta.

O convento pretende, num futuro próximo, desenvolver o projecto turístico com o aproveitamento das águas termais, na origem da lenda da Senhora com um bálsamo na mão que curou as feridas dos soldados cristãos e ajudou a vencer os mouros provocando uma chacina, na origem do nome da aldeia. Tratar dos animais, colher fruta, ajudar na reflorestação ou cultivar cereais que serão usados na produção de uma cerveja artesanal serão outras experiências disponíveis.

Dormir no recolhimento de uma comunidade religiosa deve ser uma experiência e tanto.

Dicas úteis

Quando visitar Macedo de Cavaleiros

Diz o povo que em Trás-os-Montes se vive nove meses de Inverno e três de inferno. Na transição entre a Terra Quente (vales dos rios Tua e Douro, a sul) e a Terra Fria a norte, Macedo de Cavaleiros possui as estações um pouco mais marcadas. Na Primavera, os montes ficam perfumados e coloridos com muitas flores, as ribeiras e cascatas estão cheias. O início da Primavera é também a melhor época para observação de mergulhões-de-crista em período nupcial.

No Verão, é possível aproveitar as praias fluviais do Azibo e, apesar de quente, a estação não é tão tórrida, se comparada com outros concelhos transmontanos. No Outono, a região assume tons doirados muito bonitos, com temperaturas perfeitas para boas caminhadas. No Inverno chegam os dias frios, alguma chuva, geadas e neve (de vez em quando). Nas duas estações mais frias, existe maior diversidade de aves aquáticas no Azibo.

A data de algumas festas e eventos diferenciadores podem também influenciar a altura da visita, nomeadamente o Entrudo Chocalheiro de Podence, as feiras da caça (Janeiro), a Feira do Folar antes da Páscoa, a Feira de São Pedro (Junho), a Ceifa e Segada de Morais (Julho), o Festival Internacional de Música Tradicional (Agosto) ou a secular Feira das Cebolas em Chacim (Setembro).

Onde ficar em Macedo de Cavaleiros

Em Macedo de Cavaleiros existem poucos hotéis, mas muito alojamento local. No centro da cidade, o moderno Hotel Muchacho ou, no antípodas, o histórico Solar Morgado Oliveira do século XVII poderão ser boas opções. Junto à albufeira, a Casa Vale de Azibo é uma das mais bem pontuadas no Booking.

Eu fiquei na Casa da Fraga, na pequena aldeia de Ferreira, um alojamento local com piscina muito charmoso. A Ângela é a anfitriã perfeita, serve scones e bolinhos de amêndoa mornos ao pequeno-almoço, granola caseira e sumo de laranja, enquanto nos faz sentir parte da família. Peça-lhe a sobremesa de milhos e coullie de frutos vermelhos (ela vai adorar contar a história da sobremesa).

Onde comer

Nas Terras de Trás os Montes há 23 produtos classificados com Denominação de Origem Protegida (DOP) e Indicação Geográfica Protegida (IGP). Portanto, pode esperar carnes, vinhos, frutos secos, fumeiro, queijos, mel e azeite de qualidade e sabor inconfundível.

Experimentei três bons restaurantes na região, que posso recomendar sem reservas. A Casa do Lago, para um jantar longo e cheio de petiscos, enquanto aprecia um lindo pôr do sol no Azibo. Adorei os rebuçados de queijo brie e mel, assim como a salada de polvo e os peixinhos da horta. Ah, sem esquecer do memorável gelado de canela e pudim de castanha.

O Solar de Chacim, na aldeia homónima, para um longo almoço na varanda com vista para a piscina, num ambiente mais requintado (também possui alojamento). Comida genuína, com um toque de sofisticação. Ou um piquenique no parque de merendas do Azibo, organizado pelo hotel Alendouro, com todos os produtos regionais que pode imaginar: bôla, requeijão com doce, enchidos, mão de porco, saladas frias. Tudo apresentado num cesto lindo e regado com um belo Valle Pradinhos.

Esta viagem foi realizada a convite da CIM Terras de Trás-os-Montes, a quem agradecemos.