Atualizado em 23 Janeiro, 2024

Como é que um bolo em forma de pénis se tornou o símbolo, até a mascote, de uma cidade ultraconservadora? Hoje visitamos Amarante, em busca dos “quilhõezinhos de São Gonçalo”

O Tâmega empresta um tom bucólico à cidade, ali a meia hora do Porto. As lânguidas margens do aéreo rio, para recordar o verso de Teixeira de Pascoaes que aludia à neblina que dele se ergue, estão belamente emolduradas por elegantes choupos.

Reza a história que foi São Gonçalo, em 1250, que mandou construir uma travessia entre as duas margens. Uma ponte que se desmoronou no século XVIII devido às cheias, que foi recuperada e, entretanto, assistiu a dramáticos episódios da História. Foi ali que o exército português resistiu ao invasor napoleónico, que acabou por ocupar e incendiar a cidade (1809). Ali se deu também um embate decisivo da guerra civil, 25 anos depois.

Em Amarante, chamam “guigas” aos pequenos barcos que povoam o rio

Mas nada disso nos ocupa o espírito enquanto atravessamos a ponte, conquistados pelo majestoso Convento de S. Gonçalo no fim do caminho. O olhar pousa na Varanda dos Reis, com as estátuas dos quatro monarcas que reinaram durante os 200 anos da construção da igreja. São eles D. Sebastião, D. João III, D. Catarina e D. Filipe I.

O religioso infunde carácter à cidade de Amarante, que nasceu com a chegada de um certo Gonçalo, no século XIII. Dominicano e evangelizador no Médio Oriente, a sua fama de santidade atraiu gente e peregrinos, que se desviavam do caminho de Santiago para o ouvirem.

Os conventos e mosteiros multiplicaram-se na região – incluindo o belo Mosteiro do Salvador de Travanca e o Mosteiro de São Martinho de Mancelos, que visitámos recentemente – e São Gonçalo, embora não fosse amarantino, tornou-se uma figura maior da cidade. Recorde A Nossa Rota do Românico

S. Gonçalo casamenteiro

No recolhimento da igreja, junto ao altar, repousa o túmulo deste Gonçalo que o Vaticano chama de beato, mas que o povo decidiu elevar a santo. Obviamente, ali mora a sua imagem que é alvo de particular atenção das solteironas mais velhas. Reza a lenda que quem puxar o seu cordão encontrará marido no prazo de um ano. Outros dizem que é preciso tocar no túmulo…

São Gonçalo de Amarante
Casai-me que bem podeis
Já tenho teias de aranha
Naquilo que vós sabeis 

Esta tradição casamenteira está intimamente ligada aos doces fálicos, enquanto representação icónica associada às preces e rituais para arranjar noivo. Não se sabe muito bem como começou tal aura prodigiosa, mas causa alguma apreensão às raparigas mais novas, de cujas queixas ficou a célebre quadra, cantada na romaria dos primeiros dias de Junho:

São Gonçalo de Amarante 
Casamenteiro das velhas 
Porque não casais as novas 
 Que mal vos fizeram elas?

As ruínas do Solar dos Magalhães recordam a invasão napoleónica.

Longe vão os tempos em que os quilhõezinhos de S. Gonçalo se ofereciam às escondidas (durante o Estado Novo foram considerados obscenos e um atentado à moral) ou se vendiam apenas na rua durante as romarias. Pastelarias como a Confeitaria Tinoca apropriaram-se do doce, elevando-o à categoria gourmet, e as lojas de artesanato transformaram-no em souvenirs.

Na origem do símbolo poderão estar rituais pagãos, entretanto cristianizados. Certo é que os quilhõezinhos sobreviveram e continuam a arrancar gargalhadas aos turistas, sobretudo os de dimensões ousadas, já que alguns chegam a atingir um metro.

#Dica: nem só de quilhõezinhos de faz a doçaria local: não deixe de provar os foguetes, as lérias, as brisas do Tâmega e os papos de anjo.

S. Gonçalo inspirou ainda várias tradições interessantes do outro lado do Atlântico, no Brasil, como revela a Sylvia Leite no artigo Dança de São Gonçalo: entre o profano e o sagrado.

Museu Amadeo Souza-Cardoso

Anexo ao Convento de S. Gonçalo, este museu municipal criado em 1947 expõe obras de artistas e escritores amarantinos. A exposição permanente reúne obras de pintura e escultura de Arte Portuguesa Moderna, onde se destaca Amadeo de Souza-Cardoso. Este foi um dos maiores pintores modernistas portugueses.

Além de Souza-Cardoso (que tem um avião da TAP com o seu nome), a lista de prodígios nascidos em Amarante inclui o poeta Teixeira de Pascoaes, que aqui ganhou a reverência pela natureza que caracteriza a sua obra, Agustina Bessa-Luís, uma das mais respeitadas escritoras portuguesas, bem como os pintores António Carneiro e Acácio Lino. De resto, existe uma Casa-Museu Acácio Lino, na freguesia de Travanca, que ainda não tive oportunidade de visitar.

Museu Amadeo de Souza-Cardoso: site | terça a domingo, exceto feriados | Horário de verão: 10h-12h30, 14h-18h00 | Bilhete: 4€ (adulto), 2€ (estudantes, seniores), grátis (até aos 12 anos)

#Curiosidade: sabia que existe uma viola amarantina? No tampo da viola tem dois corações talhados, diz a lenda que resultado de um gesto apaixonado para com uma donzela. E que Amarante foi distinguida como Cidade Criativa da UNESCO em 2017, na categoria de música?

© amarantetourism.com


Trilhos e natureza em Amarante

A verdejante região de Amarante encerra múltiplas oportunidades de estar em contacto com a natureza, incluindo num dos vários trilhos marcados. O site do turismo local sugere 10 percursos pedestres diferentes no concelho, alguns dos quais já estão na minha lista há algum tempo.

Nós já percorremos um deles, perto do rio Marão, na pequena aldeia de Ansiães (concelho de Amarante), uma pequena rota com pouco mais de 14 quilómetros entre florestas majestosas e o som do rio. Contei a experiência em detalhe no post PR6 Rio Marão – trilho em Amarante.

As termas de Amarante constituem outro programa apetecível, seja para fins medicinais – as águas estão indicadas para doenças do aparelho respiratório, reumáticas e músculo-esqueléticas – seja para reequilíbrio e bem-estar, destacando-se as massagens de hidromel e vinoterapia. Com a vantagem de estarem abertas todo o ano.

recanto do PR6 Rio Marão

Se visita a região no verão (até meio de setembro), o Parque aquático de Amarante, o primeiro aquático do norte de Portugal, pode ser uma opção de passeio, sobretudo se tem crianças. Nas margens do rio Tâmega, o parque possui várias atrações aquáticas, com mais ou menos adrenalina, e uma piscina de ondas.

Não sendo uma região litoral, não há praias marítimas, mas há várias zonas balneares, para um refrescante mergulho na época do estio.

#Dica: Recomendo comprar as entradas para o parque aquático previamente online, pois conheço quem tenha chegado para comprar na bilheteira no próprio dia e não conseguiu.

Dicas úteis para visitar Amarante

Como chegar

Amarante fica a cerca de 59 km do Porto, o que significa cerca de 37 minutos de carro, utilizando a A4, autoestrada que liga o Porto e Bragança. De Lisboa, são mais de 360 km, que se traduzem em mais de três horas de trajeto de carro, pela A1 e depois A4. Existem ligações de autocarro a partir de vários pontos de Portugal e Espanha, com as empresas Rede de Expressos e Rodonorte.

A cidade é acessível de comboio, através da linha urbana Porto/Marco de Canaveses que, por sua vez, tem ligação à Linha Regional Porto/Régua – Pocinho. Desde a Estação de S. Bento (Porto) até a Vila Meã, demorará cerca de 57 minutos, acrescentando depois mais uns 20 minutos de táxi ou transportes públicos.

© amarantetourism.com

Onde dormir em Amarante

OS dois melhores alojamentos da região são o Monverde Wine Experience Hotel (****), a cerca de 7km do centro de Amarante, com parque de estacionamento privado, spa e piscina, e o turismo rural Peso Village (****), que aluga pequenas casas de férias.

Mais próximos do centro histórico de Amarante, encontra os razoáveis Casa das Lérias (***) com vista para o rio e Covelo The Original Rooms and Suites, que possui quartos antialérgicos. Amarante possui ainda um parque de campismo, com espaço para as tradicionais tendas e caravanas, mas também bungalows e tendas glamping.