Atualizado em 27 Fevereiro, 2023

Descubra algumas das mais belas aldeias do Norte de Portugal, montanhosas, com gente genuína e tradições surpreendentes, passadas de geração em geração

Os lugares mais remotos no Norte de Portugal conservam muitas aldeias genuínas, onde o tempo parece ter parado. São um mundo à parte, onde se preserva os valores de vida em comunidade e resistem tradições ameaçadas pelo tempo.

A vida permanece em harmonia com a natureza, ditada pelas estações do ano. Na Primavera semeia-se, no Verão colhe-se, no Outono prepara-se para o frio do Inverno. Anda-se de burro, acarta-se lenha, amassa-se o pão. As mãos calosas que empunham a enxada são as mesmas que bordam os panos de linho.

Há segredos que só os pastores conhecem. Ali ainda é possível ver uma manada de garranos selvagens ou de vacas, barrosãs e cachenas, a pastar tranquilamente. Se esta simplicidade alimenta os seus sonhos, visite algumas aldeias de montanha, junto aos grandes parques naturais, como o Gerês ou o Montesinho. Garanto que será uma experiência autêntica.

aldeia

 

Sabia que nas mais de três dezenas de aldeias do Parque Nacional da Peneda-Gerês se viveu em comunidade até à década de 60 do século passado? A entreajuda era fundamental para enganar as dificuldades. As portas permaneciam sem chave, todos coziam pão no forno comunitário, usavam o moinho e o lagar do povo. Era a forma de subsistir em locais tão isolados e com um clima extremo.

O mundo mudou, mas, apesar das estradas e da eletricidade, estes territórios continuam inclementes e algumas práticas comunitárias, nomeadamente de pastorícia, permanecem. Venha daí, por caminhos rurais, conhecer algumas das aldeias mais encantadoras de Portugal.

Rio de Onor (aldeia comunitária em Bragança)

aldeia comunitário Rio de Onor

A pequena aldeia, tipicamente transmontana, é cortada ao meio por um rio chamado Onor, as margens ligadas por uma ponte romana. As casinhas de xisto continuam tradicionais, com varandas de madeira e dois andares. Em tempos, o piso superior era ocupado pela família e o inferior pelo gado.

Nas estreitas ruas de pedra, encontramos algumas casas em ruínas, há uma igreja de xisto e uma paisagem bucólica. O cenário é tão encantador, que facilmente se percebe porque foi considerada uma das “7 Maravilhas de Portugal”, na categoria de aldeias em áreas protegidas, neste caso o Parque Natural de Montesinho.

Mas a essência da aldeia – e da sua homónima espanhola, Rihonor de Castilla, mesmo ao lado – reside na sua tradição comunitária que, até há pouco tempo, a tornava única, regida por um governo e leis próprias. As pessoas partilhavam terrenos agrícolas, rebanho e fornos, ajudando-se uns aos outros e honrando a palavra dada.

A faceira era o terreno comum, com dezenas de quadrados equitativos de terra. Decidia-se a ordem de lavragem em reunião da assembleia (com representantes de toda as famílias), tal como se decidia os castigos a aplicar a quem quebrasse as regras. Normalmente as multas eram pagas em vinho e registadas na “vara da justiça”.

A meia hora de distância de Bragança, junto à fronteira com Espanha, Rio de Onor faz parte da Terra Fria Transmontana, a zona climaticamente mais fria da Península Ibérica, e do Parque Natural de Montesinho, onde vive a maior parte dos mamíferos silvestres da Europa.

Os habitantes de Rio de Onor e de Rihonor de Castilla são uma família, composta por cerca de 60 pessoas, a maioria idosa. Se em tempos de pandemia a fronteira foi encerrada, a família continuou a trabalhar em conjunto, atravessando a fronteira a pé.

Fazer/visitar: Casa do Touro | ponte romana | moinhos comunitários | castelo de Bragança e Museu da máscara ibérica (a 26 km). Foi aqui que comecei a minha EN103: eco road trip de Bragança ao Alto Minho

Vilarinho de Negrões (uma península em Montalegre)

Vilarinho de Negrões em Montalegre

O encanto desta aldeia do distrito de Vila Real aprecia-se ao longe. Isto porque a pitoresca Vilarinho de Negrões estende-se por uma estreita península, na margem sul do Alto Rabagão. Os locais dizem que foi a mão de Deus que poupou este pequeno pedaço de terra à subida das águas, aquando da construção da barragem, na década de 60.

Depois de passear pelo casario típico, vale a pena explorar as belezas em redor da aldeia, na freguesia de Negrões, onde encontra um forno em granito muito antigo, uma pequena igreja e elegantes espigueiros, para secar o milho e o centeio.

A região é fantástica para observação de aves, sobretudo mergulhões de crista e outras aves aquáticas, e também para quem gosta de trilhos, ainda que alguns tenham algum grau de dificuldade. O percurso pedestre entre Negrões e o Alto Rabagão (17 km) tem vistas fantásticas sobre a barragem e passa pelas bonitas aldeias de Alturas de Barroso e Artilhó. Existe outro trilho, mais acessível, à volta de Vilarinho de Negrões, com 11,5 km.

Fazer/visitar: forno e espigueiros em Negrões | castros de Negrões, Vilarinho e Lamachã | trilhos | observação de aves | castelo e ponte de Montalegre (cerca de 20 km).

Pitões das Júnias (Montalegre)

ruas de pedra em Pitões das Júnias

Eis que chegamos ao Parque Nacional da Peneda-Gerês, um dos santuários da Natureza em Portugal, onde se pode respirar o ar puro das montanhas, encher a vista com os tons verdes do azevinho e os violetas dos lírios, beber água dos ribeiros, que cortam as serras, desabam em dramáticas cascatas e formam lagoas de águas transparentes.

Pitões das Júnias é um recanto do único Parque Nacional português, uma das mais tradicionais e pitorescas aldeias transmontanas, de ambiente medieval. A sua origem confunde-se com a do Mosteiro de Santa Maria das Júnias (século XII), o eremitério cisterciense mais isolado de que se tem conhecimento. Para chegar às suas ruínas, a cerca de 2 k da aldeia, é preciso seguir por um percurso pedestre, que conduz os visitantes também a um miradouro natural para a cascata local. Pitões das Júnias | Gerês – Trilho com crianças

Mas a altaneira aldeia de Pitões das Júnias (a 1100 metros de altitude) tem muito para explorar e conhecer. Perca-se nas suas ruelas estreitas, apaixone-se pelas casas de granito e pela sensação de paz absoluta, prove o pão acabado de cozer. Há dias, um seguidor da Galiza, afirmou na minha conta do Twitter que este é o melhor pão do mundo! Depois, há o presunto e outro fumeiro, tidos como os melhores da região.

Termine o dia nos arredores da aldeia, entre um concerto de chocalhos e à conversa com um dos pastores que vem receber as vaquinhas que andaram a pastar, muitas delas sozinhas.

Fazer/visitar: ruínas do mosteiro de Santa Maria das Júnias | igreja de São Rosendo | capela de São João da Fraga e do Anjo da Guarda | Ecomuseu do Barroso | trilhos

Ponteira (Montalegre)

aldeia de Ponteira
Dica: existe outra pedra bolideira no concelho de Chaves.

Li algures que o Criador estava num dia de especial inspiração quando pintou o Barroso, região que compreende os municípios de Boticas e Montalegre e é considerada património agrícola mundial. E que quem contempla de espírito aberto esta complexa obra de arte “vislumbra a ressurreição”, tal como Miguel Torga quando por aqui andou.

Água em abundância, fontes límpidas, cascatas, serras, montanhas, chãs e vales, verdes profundos ou matizes de vermelhos, amarelos e castanhos, penedos amontoados ou esculpidos, num cenário branco de neve ou de um céu azul. O grande mestre pintou aqui tudo que era possível pintar.

As pinceladas inspiradas vêem-se claramente na pequena aldeia granítica de Ponteira (foto de abertura do post), às portas do Gerês, onde o gado vai sozinho para os currais e os caminhos estão cobertos dos vestígios da sua passagem (atenção ao caminho 😊). As casas mantêm as lareiras sem chaminé para os fumeiros, que enegrecem as paredes. Penedos monumentais rodeiam esta aldeia singular, que os habitantes foram incorporando nas suas casas, cortes e espigueiros.

A mais famosa é a Pedra bulideira ou bolideira (bulir = mexer), que balança quando empurrada. Infelizmente a fama trouxe alguma erosão e a dita já não balança tanto como noutros tempos, quando até uma criança a conseguia mover. As pedras gigantes multiplicam-se até às margens de uma barragem, contraste azulão à paisagem de granito.

Fazer/visitar: miradouro da Ponteira | pedra bolideira | ponte da Misarela (a 15 km)

Mixões da Serra (Vila Verde)

bênção dos animais na aldeia de Mixões da Serra

Mixões da Serra é uma aldeia dos extremos, na fronteira entre os concelhos de Vila Verde e de Ponte da Barca, das Serras da Peneda e do Gerês. Rodeada por campos verdejantes e montanhas, é protegida por Santo António, que arrasta até ali multidões pela sua fé e por uma velha tradição com vários séculos: a Bênção dos Animais.

A presença humana nesta região de agressividade serrana é anterior à nacionalidade, mas a romaria peculiar remonta a 1680, quando os animais, meio de sobrevivência dos agricultores, foram atingidos por uma peste. Os habitantes prometerem ao Santo António um templo, se este os livrasse da peste e dos lobos.

As preces foram ouvidas e construiu-se uma pequena capela onde, no domingo anterior ao dia 13 de Junho, os animais são abençoados. A capela primitiva foi substituída pela actual igreja já no século XX e continua a ser o cenário desta romaria única. Eu já tive a oportunidade de assistir e escrevi sobre o assunto em Mixões da Serra: a bênção dos animais.

Existe ali um parque de merendas ideal para um piquenique. Vale a pena subir também até ao miradouro de Santo António de Mixões da Serra, para uma panorâmica sobre os vales do Cávado e Lima, das serras Peneda e Soajo, Amarela e Gerês, Cabreira e Marão, e o monte conhecido como “Castelo de Aboim”.  

Fazer/visitar: santuário de Santo António |miradouro | ruínas do castelo da Nóbrega (cerca de 7km) | trilhos

Lindoso (Ponte da Barca)

finalista aldeias maravilha de Portugal
© 7 Maravilhas de Portugal

Por alturas do S. Miguel, a 29 de setembro, a eira comunitária que se estende entre os espigueiros e o castelo, na aldeia de Lindoso, recorda os tempos de boa vontade e entreajuda. Os agricultores do século XXI já não se debatem com problemas de espaço, mas fazem questão de usar a eira, como em tempos idos.

É assim no Lindoso e também no Soajo, onde o rochedo que forma a eira suporta centenários espigueiros em granito. Voltando ao Lindoso, aldeia histórica do Gerês no concelho de Ponte da Barca, vale a pena demorar-se junto ao maior conjunto de espigueiros da Península Ibérica, com mais de 50 destes celeiros de pedra.

Muito perto, vale a pena dar um saltinho à barragem do Alto Lindoso (é possível agendar uma visita ao interior da Central Hidroelétrica) ou explorar os trilhos que conduzem a cascatas e outros cenários surpreendentes. É o caso do trilho até ao Miradouro das Antenas de Louriça, que passa pela Cascata do Rio da Escada e pelas gravuras rupestres da Pedra de Porto Chão. Ou do Trilho dos Moinhos de Água, no lugar de Parada que permite um mergulho nas águas refrescantes do Poço da Gola.

Quaisquer que forem as escolhas, não ficará desiludido. Afinal, Lindoso foi finalista às 7 Maravilhas de Portugal, na categoria das aldeias em áreas protegidas, perdendo para Rio de Onor.

Fazer/visitar: Castelo de Lindoso com o seu museu | espigueiros | cruzeiro do Castelo e do Largo do Destro | Igreja Matriz ou de São Mamede | castro de Cidadelhe| barragem do Alto Lindoso | trilhos

Soajo (Arcos de Valdevez)

aldeia do Soajo, no Norte de Portugal

Num cenário deslumbrante do Gerês, abriga-se o Soajo, aldeia-escola que ensina muito sobre as nossas raízes mais populares – parece que aqui nasceu o grito de socorro “Aqui d’El Rei”. Sede de concelho entre 1514 e meados do século XIX, a sua história começa muito antes, como comprovam o santuário rupestre do Gião e as inúmeras antas/mamoas da região.

A povoação milenar pertence ao concelho de Arcos de Valdevez e é célebre pelos seus espigueiros. Os 24 que compõem a Eira Comunitária são muito velhinhos (alguns do século XVIII) e garantem imagens inesquecíveis. Leia também Rota dos Gigantes: Arcos de Valdevez

É imperdoável partir sem percorrer as ruelas empedradas da pequena aldeia serrana. O passeio culmina no Largo do Eiró, onde se encontra o peculiar pelourinho, mesmo em frente à Casa da Câmara. Diz a lenda que o topo do pelourinho representa um pão espetado na ponta de uma lança. Resulta esta explicação do privilégio que D. Dinis atribuiu aos moradores: nenhum fidalgo poderia demorar-se ali mais do que o tempo suficiente para esfriar um pão quente no extremo de uma lança.

Os locais orgulham-se também do seu cão sabujo da serra de Soajo, usado na caça pelos reis de Portugal durante, pelo menos, quatro dinastias. Do município e montaria real da vila do Soajo partiam, anualmente, cinco grandes de valentes cães para o rei, razão pela qual os soajeiros beneficiavam de isenção de impostos e outros admiráveis privilégios. Mas a raça foi registada por um concelho vizinho e toda a gente o conhece como “cão de Castro Laboreiro”.

Polémicas à parte, não deixe de visitar esta admirável aldeia em pleno Parque da Peneda-Gerês e, quem sabe, pernoitar numa das muitas casas tradicionais, recuperadas para o turismo.

Fazer/visitar: Espigueiros | Largo do Eiró | Pelourinho | Igreja Matriz de São Martinho de Soajo | Porta do Mezio | Poço Negro

Sistelo (Arcos de Valdevez)

aldeia do Sistela

Continuamos no Parque Nacional da Peneda-Gêres, para conhecer mais uma das 7 aldeias Maravilhas de Portugal: Sistelo, junto à nascente do rio Vez, vencedora na categoria de aldeias rurais. Sabiam que foi a primeira aldeia a ser declarada Monumento Nacional?

A paisagem é ainda mais bonita desde o miradouro do Chã da Armada, de onde se pode apreciar os socalcos, que transformam a encosta da montanha numa tela ondulante de verdes e tornaram a aldeia tão famosa.

No centro do povoado não há um património esmagador. Há um castelo que não é castelo, mas a casa de um visconde, ruas estreitas com um casario de granito, que conduzem a uma igreja que só se chama matriz, aos lavadouros públicos e a um café onde todos se cumprimentam. Há gente simples que produz meias redondas e aventais de lã.

E há toda a riqueza natural digna de um filme. Desta aldeia histórica do Gerês partem vários trilhos pedestres que atravessam terraços, bosques encantados, brandas e cortelhos. Um dos mais bonitos deve ser o Trilho das Brandas de Sistelo (10 km), que sobe até às brandas – que durante o Verão, serviam de apoio aos pastores. Infelizmente é uma caminhada difícil para se fazer com crianças. Mas já fizemos os passadiços locais, que proporcionam também um passeio muito bonito: Da Ecovia do Vez aos Passadiços do Sistelo

Fazer/visitar: Casa do Visconde de Sistelo | Igreja Paroquial | ponte romana | Ermida de Nossa Senhora dos Aflitos | várias capelas | miradouro do Chã da Armada | trilhos e passadiços do Sistelo

aldeias do Norte de Portugal

Conhecem alguma destas aldeias no Norte de Portugal? Não tão montanhosas, mas igualmente no Norte e encantadoras são as aldeias de Quintandona (Penafiel) e Juízo (Pinhel). Têm outras sugestões? Acrescentem nos comentários.