Atualizado em 5 Maio, 2025

Alpedrinha é vila, mas foi classificada como “aldeia de montanha”. Refúgio de gente abastada ao longo da história, a marquesa de Alorna chamou-lhe a “Sintra das Beiras”. 

Perdoe-se o exagero da marquesa, quando afirmou o acima, devia ter bebido uns copos. Mas é verdade que Alpedrinha tem umas quantas casas brasonadas!

Protegida dos ventos invernais pela Serra da Gardunha, os ares de Alpedrinha são límpidos. A sua tranquilidade será porventura perturbada apenas durante o Chocalhos – Festival dos Caminhos da Transumância, inspirado no percurso dos rebanhos no final do verão, e que acontece habitualmente em setembro.

Os romanos chamavam-lhe Petratinia e talvez tenha desaparecido com eles o mistério de um túnel que começa numa das ruas de Alpedrinha e acaba ninguém sabe onde, pois a sua escavação colocaria casas em perigo. Fomos conhecer esta vila com ares de aldeia, inspirados pelo nosso Nobel da Literatura.

Estava o viajante sorrindo, e agora impacienta-se porque precisa de que haja um silêncio sobre esta adormecida vila, que não acorda por brincarem uns garotos e gritar a mãe deles (…) foi apenas ver as ruínas do palácio, os fogaréus e urnas da entrada, as janelas entaipadas umas, outras abertas para o céu cor de leite. Veio descendo até à estrada e, quando lá chegou, olhou para trás. Estranha terra esta. A estrada passa-lhe ao pé, corta-a ao meio, e contudo é como se passasse entre dois muros que nada deixassem ver. Não faltam povoações escondidas, mas esta Alpedrinha é secreta.” (José Saramago, Viagem a Portugal)

Partilho a estranheza de Saramago, quando percebo que a EN18 rasga ao meio esta pequena vila. De um lado, o casario encavalita-se na encosta da Gardunha, num novelo de pedra que acaba por se misturar com a mata e as figueiras selvagens. Do outro, pouco mais há que o apeadeiro do comboio e os pomares de cerejas.

É preciso subir as ladeiras para perceber o encanto desta vila beirã, descobrir os seus velhos palácios escondidos, beber a água gelada que cai na pedra musgosa dos seus muitos chafarizes.

Estranho novamente ao dar de caras com a gigante igreja matriz de Alpedrinha, entalada no meio das ruas estreitas. Paro para ler a inscrição na casa de D. Jorge da Costa, o filho mais ilustre da terra, um dos cardeais do Papa Sisto IV, que teve um papel importante no famoso Tratado de Tordesilhas. Lembram-se de falarem deste acordo nas aulas de História? Foi aquele que dividiu o mundo (as terras descobertas e as por descobrir) entre Portugal e Espanha.

A grande surpresa espera-me no fim da calçada romana: não contava com a imponência do Picadeiro, um palacete barroco que, apesar de recuperado, parece que nos transporta para outros séculos.

Antes de entrar, refresco-me no não menos monumental chafariz de D. João V. Rematado com a coroa e armas reais, foi construído para “felicidade da pátria” pelas suas águas “explêndidas”. Diz-se que a bica da esquerda está destinada às crianças e solteiros, a do centro aos casados, e a da direita aos viúvos e bruxas...

Entro por fim no Picadeiro, onde a Câmara instalou um espaço de acolhimento aos turistas, que dá a conhecer a arte da “marchetaria” de um marceneiro local (produziu cadeiras para D. Carlos I e D. Amélia) e sobretudo os caminhos da transumância, que estão intimamente ligados à identidade local.

Um menino de sete anos, em plena visita escolar, explica-me tudo: “os pastores têm que levar as ovelhas para outro lado durante o Inverno, porque na Serra fica muito frio”. De resto, Alpedrinha honra anualmente esta tradição, com o festival anteriormente mencionado.

Os visitantes podem mesmo acompanhar um rebanho durante um dia, fazendo parte deste caminho ancestral. Ora aí está uma experiência capaz de desvendar todos os segredos da terra… mesmo a Saramago!

#Nota: o Palácio do Picadeiro tinha entrada gratuita na altura que o visitámos. Não consigo encontrar informação online que confirme que a gratuitidade se mantém

O vizinho Castelo Novo

Durante a minha breve incursão à zona beirã, aproveitei para conhecer Castelo Novo, que merecera rasgados elogios de vários amigos meus. Deslumbrar-me não seria fácil: estava só, sem os olhos mágicos do meu pequeno explorador e, para além disso, com tantas aldeias históricas palmilhadas, há sempre uma leve sensação de dejà vu.

Mas o céu abriu-se para mim com um sol esplendoroso e a Serra da Gardunha enfeitou-se com as suas cores mais garridas.

A aldeia fica num anfiteatro natural e, lá no alto, o castelo (o terceiro, reza a história) espreita, por entre casas “graciosamente desarrumadas em pequenas e torcidas ladeiras, minúsculos largos, escadinhas”, diz Júlio Gil em As mais Belas Vilas e Aldeias de Portugal.

São casas de granito e ladeiam ruas com desníveis tipicamente medievais e “desacertos” de fachadas, que têm a sua graça.

No meio de tal desarrumação, encontro o Pelourinho, plantado em frente à antiga Casa da Câmara e ao inverosímil chafariz de D. João V O Magnânimo, o tal rei-sol português, pela ostentação que nos deixou em forma de edifícios, graças ao ouro que chegava a rodos do Brasil. Uma riqueza que permitiu a construção do Convento de Mafra e outras maravilhas, como a Biblioteca Joanina de Coimbra.

Castelo Novo parece adormecido, não me cruzo com vivalma, o Museu Arqueológico está fechado, a única loja de artesanato também. Deixo-me ficar assim contemplativa nas ameias de um castelo em ruínas, a observar os volteios dos pássaros, felizes com o dia solarengo.

Faço uma última paragem antes de deixar a aldeia, junto ao Cabeço da Forca e comprovo, entre rubras papoilas, que a Primavera finalmente chegou: há regatos que cantam e cheiro a flores no ar.

As cimeiras graníticas de Alpedrinha e Castelo Novo assemelham-se a uma fímbria negra e rendada que orla um pano de verdura pendente no fundo azul do céu por força invisível (Alexandre Herculano)

#Curiosidade: Alpedrinha e Castelo Novo possuem eis troços de vias romanas, que se acredita terem sido construídas entre os séculos I e IV, com traçados curvilíneos e pavimentação em blocos de granito. 

Dicas úteis para visitar Alpedrinha e Castelo Novo

Como chegar

Tanto Alpedrinha como Castelo Novo fazem parte do concelho do Fundão, na região da Beira Baixa. Para chegar ao Fundão é muito fácil, uma vez que fica muito perto da autoestrada (A23). Na A23 deve apanhar a saída para a N18, em direção a Alpedrinha/Castelo Novo. Depois basta seguir as indicações na estrada. Cerca de 8 km separam as duas aldeias.

As duas vilas possuem apeadeiro, o que significa que é possível também chegar de comboio. Contudo, o comboio regional da Linha da Beira Baixa passa apenas 3 vezes por dia e demora uma eternidade. Se quiser entrar num modo muito slow travel, pode ser uma opção simpática. Caso contrário, o melhor é alugar carro.

Onde comer

O restaurante O Lagarto, à entrada de Castelo Novo, e o restaurante Papo d’Anjo (Alpedrinha) têm fama de oferecer boa comida regional. Confesso que não experimentei, portanto se têm alguma experiência num dos dois, queiram partilhar nos comentários.

No Fundão existem mais opções de restaurantes.

Onde ficar

Não existem hotéis nas vilas de Alpedrinha e Castelo Novo, mas existe alguma oferta hoteleira nomeadamente as Casas de Alpedrinha (8.9 no Booking) com kitchenete e piscina, e o Lagarto Pintado Casa n’Aldeia, em Castelo Novo (9.2 no Booking), uma casa completa com piscina.

Não muito longe, em Alcongosta, encontra uma opção um pouco menos tradicional: o Natura Glamping, que oferece tendas de luxo com terraço.

Outras aldeias cheias de história que merecem uma visita na região:  Sortelha – Belmonte – Figueira de Castelo RodrigoCastelo MendoAlmeidaMarialva – Penha Garcia – Cidadelhe – TrancosoMonsanto